Arquivos Mensais: dezembro \30\-03:00 2009

Eleitor tem arsenal inédito de ferramentas para pesquisar e julgar maus políticos

Sites especializados, comitês locais e fóruns regionais de combate à corrupção proliferam no Brasil

Pessoa vota em eleição de 2008, a última realizada no País

AE
Cabine de votação nas eleições de 2008

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Por que não festejo e me faz mal o Natal




Escrito por Mário Maestri

Não festejo e me faz mal o natal por diversas razões, algumas fracas, outras mais fortes. Primeiro, sou ateu praticante e, sobretudo, adulto. Portanto, não participo da solução fácil e infantil de responsabilizar entidade superior, o tal de “pai eterno”, pelos desastres espirituais e materiais de cuja produção e, sobretudo, necessária reparação, nós mesmos, humanos, somos responsáveis.

Sobretudo como historiador, não vejo como celebrar o natalício de personagem sobre o qual quase não temos informação positiva e não sabemos nada sobre a data, local e condições de nascimento. Personagem que, confesso, não me é simpático, mesmo na narrativa mítico-religiosa, pois amarelou na hora de liderar seu povo, mandando-o pagar o exigido pelo invasor romano: “Dai a deus o que é de deus, dai a César, o que é de César”!

O Natal me faz mal por constituir promoção mercadológica escandalosa que invade crescentemente o mundo exigindo que, sob a pena da imediata sanção moral e afetiva, a população, seja qual for o credo, caso o tenha, presenteie familiares, amigos, superiores e subalternos, para o gáudio do comércio e tristeza de suas finanças, numa redução miserável do valor do sentimento ao custo do presente.

Não festejo e me desgosta o Natal por ser momento de ritual mecânico de hipócrita fraternidade que, em vez de fortalecer a solidariedade agonizante em cada um de nós, reforça a pretensão da redenção e do poder do indivíduo, maldição mitológica do liberalismo, simbolizada na excelência do aniversariante, exclusivo e único demiurgo dos males sociais e espirituais da humanidade.

Desgosta-me o caráter anti-social e exclusivista de celebração que reúne egoísta apenas os membros da família restrita, mesmo os que não se freqüentaram e se suportaram durante o ano vencido, e não o farão, no ano vindouro. Festa que acolhe somente os estrangeiros incorporados por vínculos matrimoniais ao grupo familiar excelente, expulsos da cerimônia apenas ousam romper aqueles liames.

Horroriza-me o sentimento de falsa e melosa fraternidade geral, com que nos intoxica com impudícia crescente a grande mídia, ano após ano, quando a celebração aproxima-se, no contexto da contraditória santificação social do egoísmo e do individualismo. Ao igual dos armistícios natalinos das grandes guerras, que reforçavam, e ainda reforçam – vide o peru de Bush, no Iraque -, o consenso sobre a bondade dos valores que justificavam o massacre de cada dia, interrompendo-o por uma noite apenas.

Não festejo o Natal porque, desde criança, como creio para muitíssimos de nós, a festa, não sei muito bem por que, constituía um momento de tensão e angústia, talvez por prometer sentimentos de paz e fraternidade há muito perdidos, substituindo-os pela comilança indigesta e a abertura sôfrega de presentes, ciumentamente cotejados com os cantos dos olhos aos dos outros presenteados.

Por tudo isso, celebro, sim, o Primeiro do Ano, festa plebéia, hedonista, aberta a todos, sem discursos melosos, celebrada na praça e na rua, no virar da noite, ao pipocar dos fogos lançados contra os céus. Celebro o Primeiro do Ano, tradição pagã, sem religião e cor, quando os extrovertidos abraçam os mais próximos e os introvertidos levantam tímidos a taça aos estranhos, despedindo-se com esperança de um ano mais ou menos pesado, mais ou menos frutífero, mais ou menos sofrido, na certeza renovada de que, enquanto houver vida e luta, haverá esperança.

Mário Maestri é historiador.

É Natal?




Escrito por Frei Betto

É Natal. Tudo se contradiz à nossa volta. É verão nos trópicos e, no entanto, há neves de algodão, trenós e o Papai Noel agasalhado do frio. À mesa, castanhas e nozes, alimentos adequados ao inverno.

Tudo se mistura em nós, confunde sentimentos, atropela referências. Damos presentes aquém de nosso afeto e, alguns, além de nossas posses. O sangue que enlaça a família parece mais forte que o amor.

Em plena festa religiosa, move-nos um consumismo compulsório e compulsivo. Os bens finitos superam os infinitos. A felicidade parece revestida de papel celofane. O significado cristão esconde-se em acenos nostálgicos, demasiadamente frágeis para que Jesus logre quebrar a hegemonia mercantil de Papai Noel.

Como pesa esta data para quem não a celebra liturgicamente! A um canto, a árvore com adereços coloridos e, à sombra, o presépio com o Menino na manjedoura. Mero artesanato. Ali dorme também o menino que fomos um dia, inebriado pela fé; agora, de olhos fechados, teme abraçar o apelo divino e comemorar o aniversário de Jesus.

Sim, há abraços e beijos, presentes que se trocam entre taças de vinho e copos de cerveja. A alegria, como olhos de mulher, é marcada por um risco de sombra: ninguém blefa no mais íntimo de si mesmo; lá onde reside, sufocado, o nosso verdadeiro eu, aquele que sonhamos libertar um dia. Sabemos que as crianças estão felizes com o novo tênis, os jogos eletrônicos, as bonecas que choram sem emoção e falam sem inteligência.

Quem é Jesus para essa geração que não freqüenta catecismo e cujos pais têm pudor de rezar com os filhos e dar-lhes as mãos nas veredas que conduzem ao Transcendente? Onde se esconde o Menino da manjedoura ocultado pela obesidade comercial do velhinho que ignora as crianças pobres?

Na falta de mística, muitos procuram o êxtase em doses químicas. Sem disso terem consciência, gostariam que, atrás da seringa, por dentro da drágea ingerida, entre a fumaça ou o pó que se aspira, Deus irrompesse. Todos os presentes são insuficientes para o coração que clama por Presença.

Neste Natal, alguns vão ao culto e oram em família. Outros preferem a solidão de um mosteiro, a missa cantada em gregoriano, a leitura da Bíblia, a mesa onde se partilha menos comilanças e mais gestos de carinho.

Porém, o que fazer? A TV universaliza a publicidade, a publicidade impregna a mercadoria de fetiche, o fetiche traz a ilusão de que os presentes, uma vez desembrulhados, irradiam felicidade. Assim, deixamos nos escravizar pelas convenções, sem ao menos indagar o que significam e se nos convêm.

Dentro de poucos dias, voltaremos ao ritual que se repete a cada ano: recarregar a despensa e a geladeira para o réveillon e, de novo, os mesmos abraços e afagos, com a vantagem de não dar presentes. Apenas desejar boa sorte e feliz ano-novo.

Talvez, no íntimo, o propósito de que “daqui pra frente tudo vai ser diferente.” Beber menos, balancear a alimentação, fazer exercícios físicos, deixar o cigarro, dar mais tempo à família. Ou, quem sabe, dar um passo além do próprio umbigo: uma causa solidária, uma instituição de caridade, um projeto que minore a dor dos excluídos. Preocupar-se menos consigo e ocupar-se mais com os outros. Propósitos de renascer. Para que outros tenham vida.

Então, sim, será Natal. Nascimento. Como Jesus propôs a Nicodemos, sem que seja preciso retornar ao ventre materno. Deixar que o Espírito dispa-nos do homem e da mulher velhos para nos revestir do novo ser, aquele que tem seu protótipo e paradigma no Menino que dorme no presépio e, agora, desperta dentro de nós, faminto de Deus, de justiça, de uma sociedade menos desigual e um mundo melhor.

O Natal deveria durar o ano todo, no mais profundo de nosso coração, o verdadeiro presépio.

Frei Betto é escritor, autor de Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros.

O ovo da serpente




Escrito por Claudionor Mendonça dos Santos

Vincula-se, indevidamente, processo penal como instrumento de repressão, de grilhões. Estabelece-se liame entre processo penal e cadeia.

Urge, assim, que se dissipe tal distorção. A exemplo da teologia, o processo penal é, na realidade, instrumento de libertação. Ao fixar regras cogentes, o processo penal limita a atividade persecutória do Estado, estabelecendo seu círculo de atuação, seja no que se refere às pessoas ou no que diz respeito ao procedimento adequado para a concretização e imposição da sanção. Nada além.

Recentemente, ocorreram mudanças na legislação processual penal, com alterações pontuais no vetusto e ultrapassado Código de Processo Penal, gerado no ventre de uma ditadura civil que, obviamente, não se diferencia de outras ditaduras. Ditadura é sempre igual, seja fardada ou não.

Os capítulos das provas, júri e procedimento passaram por radicais mudanças, tendo em vista a necessária celeridade, em cumprimento à cláusula pétrea estabelecida na Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LXXVIII, que exige razoabilidade na duração do processo com os meios que garantam a sua tramitação.

Sombreando a ciência processual, tal qual um fantasma assustador, assume forma um perigoso movimento, criando, frente ao Estado, um inimigo. Este antagonista – chamado de inimigo –, por ter afrontado as normas penais, deverá ser despojado de seus direitos e enfrentar o aparato estatal sem que se lhe sejam asseguradas as garantias básicas criadas pelo próprio Estado. Priva-se, assim, o ser humano da condição de pessoa, esquecendo-se de que o poder estatal sempre discriminou os infratores, conferindo tratamento punitivo baseado na condição econômica e social.

Porém, necessário lembrar-se de que, no Estado Democrático de Direito brasileiro, tem-se como fundamentos a soberania, a cidadania e a dignidade da pessoa humana, dentre outros. Dessa forma, a simples existência de direitos fundamentais, alijada de sua garantia, constitui-se em mero enunciado.

O processo penal não pode ignorar princípios constitucionais, buscando soluções rápidas, desprezando a condição de pessoa, cidadão, princípios sedimentados há séculos e positivados na Carta Magna.

Política de extermínio levada a cabo por organismos estatais encorajada pela mídia e tolerada por outros setores estatais não levará à sonhada paz almejada por todos. Ao contrário, fomentará o medo, a chamada paz de cemitério. A brutal concentração da mídia evidencia a mensagem de morte divulgada em horário nobre, legitimando ações criminosas com a aplicação da pena de morte, sem prévio julgamento e que se abate sobre a camada desfavorecida da sociedade, numa média de 2,67 mortes por dia.

Conciliar segurança com respeito às regras mínimas asseguradas aos membros da comunidade será a meta a ser obtida pelos agentes estatais que encerram a década trazendo em seu bojo a eliminação de quase 10 mil pessoas, a maioria habitantes das favelas, verdadeiro genocídio, situação absolutamente incompatível com uma sociedade que almeja inserir-se num mundo dito civilizado.

A falta de políticas públicas aliada à escassez de recursos para investimento no aparato estatal gera inconformismo da sociedade, refém da violência, e que, tangida pela mídia, busca solução imediatista, autorizando o exercício do poder punitivo do Estado, enquanto resquício do Estado Policial, fora dos preceitos constitucionais.

A tarefa dos sujeitos que atuam na área criminal é penosa, especialmente diante do discurso hipócrita daqueles que apregoam a abolição do Estado de Direito, na crença de que atingirão a paz. Paz, mas de cemitério, onde se enterram os mais desfavorecidos porque apenas sobre eles a mão do Estado Policial se estenderá, inicialmente.

Claudionor Mendonça dos Santos é Promotor de Justiça e associado do Movimento Ministério Público Democrático.

Vídeo sobre ‘racismo’ de webcam já foi visto mais de um milhão de vezes

'Black Desi'

‘Black Desi’ se apresenta no vídeo do YouTube

Um vídeo que sugere que software que opera câmeras de reconhecimento facial para laptops HP não detectam rostos negro teve mais de um milhão de acessos no site YouTube.

O vídeo, colocado no site em meados deste mês, mostra “Black Desi” (“Negro Desi”) e sua colega “White Wanda” (“Branca Wanda”).

Quando Wanda, uma mulher branca, fica diante da tela, a câmera faz zoom no rosto dela e se movimenta na medida em que ela se movimenta.

Mas quando Desi, um homem negro, faz a mesma coisa, a câmera não reage da mesma forma – não acompanha os movimentos dele.

O clip tem um tom bem humorado mas traz o título “computadores HP são racistas”.

“Black Desi” também diz que o computador é “racista”.

“E o pior é que eu comprei um para o Natal”, diz ele. “Eu espero que a minha mulher não veja este vídeo do YouTube, mas eu comprei o mesmo computador e nós não podemos nem usar.”

Um porta-voz da empresa disse à BBC: “A HP foi informada de um problema potencial com o software de reconhecimento facial, inclusive em alguns de seus sistemas, que parece ocorrer quando a iluminação na parte da frente é insuficiente.”

“Nós levamos isso a sério e estamos examinando o problema junto aos nossos parceiros.”

Agradecendo seus sinceros votos de Feliz Natal!
E desejando um Ano Novo Repleto de novas Realizações!

Agradecendo seus sinceros votos de Feliz Natal!
E desejando um Ano Novo Repleto de novas Realizações!

A Cultura da Violência

A Cultura da Violência

Ricardo Peres *

“O medo tem alguma utilidade, mas a covardia não” – Gandhi

Criamos uma sociedade que inclui economicamente e, ao mesmo tempo, exclui social, moral e politicamente. Em termos práticos, isso se traduz em duas “humanidades”, a formal e a informal, em uma mesma sociedade, que compartilham o eixo do consumo e a circulação de mercadorias e serviços.

A “humanidade informal” está encarnada nos cidadãos sobrantes, concentrados nos grandes centros urbanos do país, vivendo como podem. A economia formal não precisa deles, particularmente daqueles que estão sob risco social, que foram mal servidos pelo sistema público, que estão despreparados para a tecnocracia da economia moderna. Nós fingimos que necessitamos deles. Temos a pretensão de educar seus filhos. Nós fingimos que estamos realmente incluindo essas pessoas na sociedade. Mas nós não estamos.

Os cidadãos pobres dos centros urbanos sabem que foram abandonados e muitos deles entendem que a única base econômica viável em seus bairros é o negócio ilícito, incluindo o tráfico de drogas e armas, o que seria basicamente como abrir uma fábrica da VW em Brasilândia, Sapopemba ou Paraisópolis e gerar empregos à população. De fato, quando a economia formal não consegue criar condições favoráveis, o vácuo é ocupado por alternativas possíveis, ainda que precárias, uma vez que ninguém vai trocar a legalidade própria pela fome dos filhos.

O poder paralelo das favelas e periferias do sudeste do país, sustentado pela economia do tráfico e outras atividades ilícitas variadas, evidencia uma sociedade paralela de caráter alternativo, confirmando a presença de duas humanidades em um mesmo bioma urbano. Em particular, o comércio ilegal de drogas na favela é uma forma de capitalismo invertido usado para pacificar as pessoas que não têm qualquer condição de participar do mundo formal. Tecnicamente, o tráfico de drogas representa a mais destrutiva forma de bem-estar social criada nos últimos 25 anos.

Esse contexto social é responsável pelo aparecimento dos “justiceiros”, que hoje em dia controlam favelas e detém o status de liderança por conta de sua influência material sobre a comunidade carente. Assim, o poder paralelo nos coloca em face ao aparecimento da justiça popular que contesta a justiça institucional, já que a justiça sumária e sem apelo anula uma conquista da civilização na relação litigiosa entre duas partes.

Enquanto isso, o Estado parece incapaz de ações afirmativas que se façam sentir no dia-a-dia do cidadão sobrante. Observamos medidas tímidas, conjunturais, que acabam em descrença logo ao nascer, percebidas com desconfiança historicamente justificada por um cidadão que nunca foi tratado com o respeito que sempre mereceu, cuja memória retém a figura de um Estado omisso. De fato, sancionando que o problema social está enraizado no processo histórico do país, as estatísticas do sistema penitenciário mostram que os cidadãos mais afetados por esse quadro social são negros e pobres.

As políticas de segurança pública em vigor tratam de aumentar a produção da violência com medidas protelatórias que só fazem acumular a dívida social. Basicamente, a teoria embasando essas políticas explica que devemos estar dispostos a pagar por uma força policial opressora porquanto os sobrantes estiverem presos ou isolados nas favelas, se matando na disputa de negócios ilícitos.

É inconcebível que um governo se deixe seqüestrar dessa forma, sendo substituído por traficantes na vida da população carente. Todo mundo teoricamente concorda que essa situação é insustentável. É uma platitude dizer que a polícia precisa ser revigorada, modernizada e receber os subsídios para se reintegrar às comunidades com uma nova postura, visando protegê-las sem hostilizá-las, ajudá-las sem desmerecer seus valores. É senso comum que um processo de entrosamento e diálogo deveria se iniciar com a conquista da confiança da população, mediante um trabalho de assistência, presença permanente e compreensão desenvolvida de forma não conflituosa.

No entanto, essa diretriz levanta uma questão de valoração que precisa ser revisada: por que avaliar seriamente o que você está fazendo para os cidadãos mais vulneráveis se você não precisa deles? Afinal, não há impostos para coletar e não lucro para ser obtido a não ser em marginalizá-los e capitalizar na indústria da insegurança, com mais grades, carros blindados e helicópteros, alimentando ainda mais a insegurança, a opressão e a violência.

É notável que um número significativo de eleitores seja a favor da política que cria esse monstro social, como se estivéssemos em um cassino, onde se aposta sempre na menor probabilidade de sucesso. O equívoco fatal é que essa política opressora não aborda a causa para a subclasse, mas apenas reage de forma confusa e ressentida aos sintomas naturais de uma sociedade que escala a produção de cidadãos sobrantes e do flagelo.

Estamos diante do que acontece quando um sistema econômico míope, aliado a um Estado fragilizado, cria duas realidades: uma que fabrica milionários brancos de dia e outra que exibe crianças brasileiras se drogando e se prostituindo de noite. O resultado de tudo isso se revela na dor e na amargura vivida nos centros urbanos do país, particularmente em São Paulo e no Rio de Janeiro, em razão da negligência covarde de governantes que se recusam a debater as verdadeiras questões.

A única certeza nesse momento é que uma enorme bomba social latente deve explodir em breve se não houver uma inversão de forças impactando a questão social da periferia urbana e das prisões do país.

* Músico e filiado ao PCdoB

A voz rural contra o regime do Apartheid


Em série, a enviada do Brasil de Fato, Ana Amorim, apresenta artigos e reportagens sobre o país da Copa para além do futebol

Ana Maria Amorim,

Cidade do Cabo, África do Sul

cidade_do_caboPelos cantos da África do Sul, a forte história de intolerância racial ainda agoniza. Andando pela cosmopolitana Cidade do Cabo, capital do país, percebe-se que as contradições se afloram a cada curva da rua. Entre os bairros milionários, encravados nas praias azuis, a arquitetura remete às fotos das mansões europeias. A construção civil se ostenta com apartamentos luxuosos, cada qual com uma piscina particular na varanda e com um preço que ultrapassa a casa de um milhão de dólares. A famosa geografia desenhada pelas inúmeras montanhas que cercam e atravessam a cidade funciona como uma grande parede que não permite que os turistas se surpreendam com os precários subúrbios, com as casas construídas amontoadas em planos territórios, feitas de restos de madeira e metal.

Tão agressivo quanto o panorama de Cidade do Cabo é o retrato rural do país. Desde a colonização inglesa, as pessoas “coloridas” foram excluídas do acesso a terra – dentre tantos outros direitos. Em 1652, os povos nativos foram expulsos de suas terras. A única permissão concedida para continuar nas terras em que viviam era na condição de trabalhar no processo de produção para a metrópole, na Inglaterra. Este era o início da legitimação do racismo nas divisões de terras no país. Em 1913, a Native Land Act (Lei da Terra Nativa) formalizou nacionalmente que o acesso da terra se relacionava diretamente com a procedência racial da pessoa. Assim, foram reservados 8% das terras do país para os negros (na África do Sul, a união dos excluídos fez com que se entendesse por negro todos que não eram brancos, incluindo, portanto, as outras “raças”). Os outros 92% eram exclusivamente dos brancos.

O Land Act só foi revista em 1936, quando outra lei a Native Trust and Land Act conseguiu, entre outras medidas, uma tímida expansão – agora, os negros poderiam ocupar até 13% das terras. Este ato é entendido como a consolidação do “capital branco” vencendo dentro do negro país, particularmente o capital relacionado com a agricultura. Paralelamente, se agudiza a resistência negra e, na década de 40, os ganhos da parcela branca na África do Sul ficam ameaçados em uma crise econômica que coincide com o aumento da urbanização no país, da industrialização e da organização dos trabalhadores. A solução do regime que em 1948 comandava o país foi, entre outros passos, a instauração da segregação através do apartheid.

Estas são apenas algumas pitadas que evidenciam a exclusão a qual o povo originário foi submetido para uma expansão colonial da Inglaterra ser garantida. As bandeiras por liberdade e igualdade do sul da África se pautam, direta ou indiretamente, pela questão agrária. “A terra deve ser repartida para quem trabalha nela”, dizia a frase do The Freedom Charter, documento adotado em junho de 1955 por mais de três mil pessoas de todas as cores. O fim do sistema do apartheid – marcado com as primeiras eleições democráticas em 1994, que levaram Nelson Mandela ao poder da nação – e as promessas firmadas de reforma agrária não foram suficientes para consolidar ousados passos na democratização da terra.

Os primeiros passos dentro da democracia

Principalmente nos anos 90, Organizações Não Governamentais (ONGs), comunidade rurais e organizações políticas atuaram pela garantia de acesso a terra, com bandeiras que abrangiam as remoções forçadas, valorização da mulher que trabalha no campo e eliminação da pobreza nas comunidades rurais. Em compensação, mesmo com discussões e documentos políticos referentes à reforma agrária, ou, ainda, com a existência do Departamento de Questão Agrária, a atuação governamental não foi suficientemente ativa para o rompimento com as injustiças do passado.

Repleto de indefinições, os planos de uma reforma agrária na África do Sul encontra entraves como, por exemplo, as aquisições de terra pelo governo. Baseando a compra das terras através do preço de mercado, a moeda de troca dos fazendeiros foi a especulação. Assim, decisões que deveriam ter como meta a redistribuição de terras acabaram por desconsiderar os apontamentos defendidos pelas organizações que lutavam pela reforma.

Ainda que traçando metas, seja através do Settlement and Land Acquisition Grant (SLAG) (Assentamentos e Concessões de Terras) nos primeiros seis anos da redemocratização, ou do Land Redistribution for Agricultural Development (LRAD) (Departamento de Redistribuição de Terras para Desenvolvimento Agrícola) a partir de 2000, os resultados nunca foram realizados. Na mudança institucional dos órgão responsáveis pela reforma agrária, a meta anterior de redistribuir 30% das terras em cinco anos se alongou, podendo agora ser feita em até 15 anos. Assim, a África do Sul fechou o século passado com menos de 1% de suas terras redistribuídas. Atualmente, não mais que 5% de suas terras foram efetivamente destinadas para a reforma agrária. Em um país onde quase 80% dos 48 milhões de habitantes são negros, 80% das terras são controladas por fazendeiros brancos e Estado.

Em todo este curso de exclusão e exploração dos povos, os trabalhos das organizações que lutam pelos direitos humanos e de acesso a terra no país continuam como uma peça importante para encorajar uma real emancipação. A exemplo desta luta, encontra-se a ONG Trust for Community Outreach and Education (TCOE) que, em seus documentos, frisa que uma das maiores lições aprendidas no processo de reforma agrária no país é a necessidade de se formar um movimento rural – movimento este que não pode ser uma intervenção fora da nação nem ser construído de cima para baixo. Isto, é claro, não impede a participação de organizações exteriores à realidade diária da terra.

Semeando um novo futuro

cidade_do_cabo2Para a TCOE o trabalho fundamental, o maior desafio enfrentado, está na consolidação da organização dos trabalhadores rurais do país contra a lógica imposta para o campo no país. No estado do Cabo Oeste (Western Cape), o final de 2009 serviu para que as diversas comunidades com as quais a ONG trabalha trocassem suas experiência. O festival que reuniu estas comunidades aconteceu na segunda quinzena de dezembro e, para a avaliação do evento, as árvores da reserva natural Vrolijkheid, nas proximidades da pequena cidade de Robertson, acolheram os representantes no dia 16 de dezembro.

Monica Johnson mora em Buffeljags River, uma região que ela descreve como “muito pobre e sem oportunidades para trabalho”. As terras da região são próximas a duas grandes fábricas de queijos e vinhos, como a Sharon Fruit, mas os empregos gerados ali não são destinados para a população local. A história se repete com Velewzima Wakwa, que mora na região de Robertson e atua pelo direito à terra há quinze anos. Wakwa relembra as promessas feitas de reforma agrária no país, cuja taxa prometida em 1994 – de 30% em cinco anos – foi adiada novamente para 2014. Lizzie Neethling, da região de Swellendam, acredita que os direitos dos povos são negados. Há três anos na região cujos títulos não são daqueles que nas terras cultivam, Lizzie diz em voz calma e limpa que as terras deveriam retornar às pessoas que trabalham nela.

Give back our land” (Devolvam nossas terras) é a frase ao fundo das camisas de muitos ali presentes. Estampada em letras grossas nas camisas pretas, lê-se Mawubuye, nome dado ao fórum de direitos à terra na África do Sul. É esta a ligação entre aquelas pessoas afetadas por todo um legado de exclusão e que buscam de alguma forma ter o mínimo da justiça garantida. São as sementes lançadas em uma terra já demasiada regada de suor e sangue, onde novas vozes são estratégias necessárias para a construção de um projeto para o país.

Sim! Sou negra!

por cristiano

Colaboradores: Camila Marins

“Por favor, você poderia encher a garrafa de café?”. Foi exatamente isso que ouvi em um evento que fui cobrir destinado a engenheiros e advogados.

“Por favor, você poderia encher a garrafa de café?”. Foi exatamente isso que ouvi em um evento que fui cobrir destinado a engenheiros e advogados. Apenas respondi à elegante senhora: “Desculpe, mas eu também gostaria de tomar um café. Sabe onde podemos encher?”. Fui cobrir a atividade para fazer uma matéria sobre o pré-sal e a cor do petróleo se fez presente. Sim, sou negra!

Há algumas semanas outro fato interessante aconteceu. Eu estava entrando na minha casa quando a vizinha me abordou e perguntou se eu era a tratadora dos gatos que criamos em casa… Eu disse que não e que morava ali e ela insistiu: “Você mora onde? Aqui no bairro?”. Eu disse não, moro neste apartamento. E ela, um pouco sem graça, continuou a conversa sem eira nem beira e, ao final, ainda me cumprimentou com um beijo no rosto, gesto que não foi feito no início da conversa. Ou seja, tentou contornar a situação com um beijo de Judas.

Agora, nesta segunda-feira passada, estava chegando do aeroporto, vindo de Manaus, com muita bagagem e o porteiro prestativo interfonou no meu apartamento e disse: “Olha só, sua secretária está subindo com um monte de malas, alguém pode ajudá-la?”. Meu amigo questionou se era nossa secretária doméstica e o porteiro disse: “Não, é a Camila”. Então, novamente, eis a confusão. Não me importa ser confundida com secretárias, domésticas ou qualquer outra profissão, o que realmente me importa é a violência do preconceito racial. E a dimensão desta dor poucos conhecem. Ou talvez muitos, já que a maioria de nós faz parte da imensa parcela de excluídos.

E, mesmo diante de situações cotidianas como as descritas acima, nós, excluídas e excluídos, ainda somos acusados de vitimização. Inadmissível, pois só corrobora para a hipocrisia e praticamente ignora o preconceito. Não adianta me dizer que no Brasil não existe preconceito. Existe sim e convivemos com essa dor cotidianamente. Outros ainda me dizem: “Você não é negra. É morena de cabelo cacheado”. Então, me respondam se eu não sou negra, porque sofro preconceito racial incessantemente?

Sim! Sou negra!

Camila Marins é Jornalista

Criminalização da pobreza




Escrito por Léo Lince

A polícia do Rio de Janeiro, em comparação com as suas congêneres do Brasil e do mundo, é a que mais mata e a que mais morre. Ela é ao mesmo tempo algoz e vítima de um processo vicioso que só faz agravar a espiral da violência, resultado inevitável de uma política de segurança da qual o governo se vangloria, apesar da sua comprovada ineficácia.

Toda vez que se publicam relatórios e dados sobre a questão da violência e os direitos humanos, o cidadão fluminense se vê diante do doloroso dever de constatar a permanência de tão trágica realidade. Exemplo? Basta ver o informe da Human Rights Watch (HRW), publicado com destaque nos jornais desta quarta-feira. Os números são estarrecedores e não foram desmentidos pelas autoridades.

Em 2008, os policiais do Rio cometeram 1.137 homicídios durante o expediente ou fora dele. O tamanho do absurdo se mede pela comparação com outros estados e até países. No estado de São Paulo, foram 397 as mortes cometidas por policiais no mesmo período. Na África do Sul e nos Estados Unidos, considerado o país inteiro em ambos os casos, os números foram 468 e 371, respectivamente. A relação entre o número de mortos e número de prisões efetuadas é outro dado altamente revelador. No Rio, para cada suspeito morto por policiais, estes conseguiram efetuar 23 prisões; em São Paulo, 1/348; e nos EUA 1/37.751. Outra dimensão do mesmo descalabro são os dados que medem a relação entre mortes cometidas por policiais para cada óbito de policial. Nos EUA 9,05; em São Paulo, 18,05; e no Rio são 43,73 mortos para cada óbito policial.

Toda comparação, claro, padece de problemas e carece de ser relativizada. Mas, no caso, trata-se de uma questão específica, analisada com base em dados oficiais, em regiões assemelhadas. Em todas elas, a violência se concentra nas megalópoles atravessadas pelos problemas típicos do capitalismo pós-moderno. Sendo assim, descartado o castigo de Deus como hipótese, deve haver uma explicação para os números que conferem ao Rio de Janeiro uma distinção tão macabra. Para os estudiosos mais acurados do assunto, a política de segurança adotada pelo governo Cabral é a causa maior do descalabro.

Ancorada na lógica do confronto bruto, tal política opera na base da aceitação tácita do uso ilegal da força letal. Há muito que se denuncia, sem que se consiga estancar a sangria literal que daí decorre, os chamados “autos de resistência”. São utilizados como forma de justificar os homicídios cometidos e funcionam, na prática, como uma licença para matar. Ao comparar a recente derrubada de um helicóptero policial com a queda das Torres Gêmeas, o secretário de Segurança forneceu justificativa para a espiral de violência. No espírito da vendeta, bandido e polícia se igualam no exercício descontrolado da força e na produção da insegurança coletiva.

A brutalidade policial cumpre também uma função política. A reprodução das relações sociais marcadas pela desigualdade e pela injustiça não se faz sem certo grau de violência segregacionista contra os mais pobres. Como escreveu, em artigo recente, Chico Alencar, deputado federal do PSOL/RJ: “uma política de segurança que mira invariavelmente os de baixo, jogando sobre eles toda culpa sobre os malfeitos de uma sociedade desigual, tem nome e sobrenome: criminalização da pobreza”.

Léo Lince é sociólogo.

Aids: Órfãos têm medo da discriminação

Os impactos da orfandade decorrente da aids na vida de jovens e os estigmas sofridos por eles foi tema de um estudo realizado na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP.

Apesar de contarem com apoio da família após a perda dos pais e alguns não se sentirem órfãos, os jovens têm dificuldades de falar sobre a doença por medo de sofrerem discriminação de seus grupos de convívio.

A pesquisadora Andrea Paula Ferrara, integrante do Núcleo de Estudos para a Prevenção da aids (Nepaids) da USP e do Grupo de Incentivo à Vida (GIV), em sua dissertação de mestrado — Orfandade e estigma: vivências de jovens órfãos em decorrência da aids — orientada pelo professor Ivan França Junior, da FSP, mostra que apenas 5 dos 19 jovens entre 15 e 24 anos entrevistados mencionaram, no início das entrevistas, a aids como forma de adoecimento dos pais. Os outros 14 jovens só conseguiram citar a doença no decorrer da entrevista.

Para Andrea, “grande parte dessa omissão de informação deve-se ao medo que eles têm de sofrerem preconceito em seu círculo. Tentamos entrevistar mais de 19 jovens e muitos marcavam e não compareciam. Essa recusa implícita de falar sobre o assunto é devido, provavelmente, ao medo da estigmatização e por ser um tema difícil para eles, por estar relacionado a morte dos pais.”

Jovens “marcados”

Todos os relatos dos jovens ouvidos pela pesquisadora são caracterizados como estigma de associação, pois os entrevistados, tanto os soropositivos quanto os soronegativos, ficaram “marcados” psicologicamente por seus pais terem morrido de aids.

Segundo dados da pesquisa, grande parte do problema de estigmatização é derivado do medo de sofrer discriminação após contar o motivo da morte dos pais e também pela vivência real do preconceito.

“A preocupação é grande em relação ao conhecimento desse fato por amigos, namorados e conhecidos, pois os jovens têm medo da possibilidade de exclusão de seus grupos de convívio e do preconceito que viria após o questionamento em relação a ele [jovem] ser ou não soropositivo”, diz a pesquisadora.

Além dos impactos da orfandade em decorrência da aids na vida dos jovens, Andrea estudou também os significados de ser órfão nesses casos e constatou que estão relacionados a sentimentos ligados à família e à morte.

Segundo ela, “entre os sentimentos mais comuns observados nesses jovens estão a dificuldade de falar sobre a orfandade ligada à aids, a tristeza pela morte dos pais e pela falta do cuidado materno”.

Apesar disso, um dos fatores que auxilia esses jovens órfãos é o apoio da família após a perda.

“Ao contrário do que as agências internacionais acreditam, o jovem é inserido na família, principalmente materna, após a morte dos pais. Por esse motivo, ressaltam que não se sentem órfãos, já que família aqui tem um significado maior do que o tradicional, que engloba apenas pais e filhos”, diz Andrea.

A pesquisadora ressalta que um dos maiores problemas observados no decorrer da pesquisa foi a debilidade de registros dos filhos de pais portadores de HIV.

“Não há acompanhamento dos órfãos pelo serviço saúde, principalmente quando os jovens são soronegativos. É fundamental que o jovem tenha respaldo da família e de políticas públicas para conseguir superar a perda dos pais. Um dos entrevistados disse uma frase da qual gosto muito e pode ilustrar a situação desses jovens: ‘a vitória de um órfão é a mesma coisa que um cego vencer as olimpíadas, bater um recorde’. Ele não deve buscar essa ‘vitória’ sozinho, mas com ajuda de seu círculo afetivo, com respaldo social e de políticas pública efetivas”, completa Andrea.

Fonte: Agência USP de Notícias

DENÚNCIA: SÍTIO CALDEIRÃO, O ARAGUAIA DO CEARÁ: UM GENOCÍDIO ESQUECIDO PELO PODER PÚBLICO!

No CEARÁ, para quem não sabe, houve também um crime idêntico ao do “Araguaia”, contudo em piores proporções, foi o MASSACRE praticado por forças do Exército e da Polícia Militar do Ceará no ano de 1937, contra a comunidade de camponeses católicos do Sítio da Santa Cruz do Deserto ou Sítio Caldeirão, que tinha como líder religioso o beato JOSÉ LOURENÇO, seguidor do padre Cícero Romão Batista.

A ação criminosa deu-se inicialmente através de bombardeio aéreo, e depois, no solo, os militares usando armas diversas, como fuzis, revólveres, pistolas, facas e facões, assassinaram mulheres, crianças, adolescentes, idosos, doentes e todo o ser vivo que estivesse ao alcance de suas armas, agindo como feras enlouquecidas, como se ao mesmo tempo, fossem juízes e algozes.

Como o crime praticado pelo Exército e pela Polícia Militar do Ceará foi de LESA HUMANIDADE / GENOCÍDIO / CRIME CONTRA A HUMANIDADE é considerado IMPRESCRITÍVEL pela legislação brasileira bem como pelos Acordos e Convenções internacionais, e por isso a SOS – DIREITOS HUMANOS, ONG com sede em Fortaleza – Ceará, ajuizou no ano de 2008 uma Ação Civil Pública na Justiça Federal contra a União Federal e o Estado do Ceará, requerendo que sejam obrigados a informar a localização exata da COVA COLETIVA onde esconderam os corpos dos camponeses católicos assassinados na ação militar de 1937.

Vale lembrar que a Universidade Regional do Cariri – URCA, poderia utilizar sua tecnologia avançada e pessoal qualificado, para, através da Pró-Reitoria de Pós Graduação e Pesquisa – PRPGP, do Grupo de Pesquisa Chapada do Araripe – GPCA e do Laboratório de Pesquisa Paleontológica – LPPU encontrar a cova coletiva, uma vez que pelas informações populares, ela estaria situada em algum lugar da MATA DOS CAVALOS, em cima da Serra do Araripe.

Frisa-se também que a Universidade Federal do Ceará – UFC, no início de 2009 enviou pessoal para auxiliar nas buscas dos restos dos corpos dos guerrilheiros mortos no ARAGUAIA, esquecendo-se de procurar na CHAPADA DO ARRARIPE, interior do Ceará, uma COVA COM 1000 camponeses.

Então qual seria a razão para que as autoridades não procurem a COVA COLETIVA das vítimas do SÍTIO CALDEIRÃO? Seria descaso ou discriminação por serem “meros nordestinos católicos”?

Diante disto aproveitamos a oportunidade para pedir o apoio de todos os cidadãos de bem nessa luta, no sentido de divulgar o CRIME PERMANENTE praticado contra os habitantes do SÍTIO CALDEIRÃO, bem como, o direito das vítimas serem encontradas e enterradas com dignidade, para que não fiquem para sempre esquecidas em alguma cova coletiva na CHAPADA DO ARARIPE.

Para que as vítimas ou descendentes do massacre sejam beneficiadas pela ação, elas devem entrar em contato com a SOS DIREITOS HUMANOS para fornecerem por escrito e em vídeo seus depoimentos sobre o período em que participaram da comunidade do Caldeirão, sobre como escaparam da ação militar, e outros dados e informações relevantes sobre o evento.

Dr. OTONIEL AJALA DOURADO
OAB/CE 9288 – (85) 8613.1197 – (85) 8719.8794
Presidente da SOS – DIREITOS HUMANOS
http://www.sosdireitoshumanos.org.br
sosdireitoshumanos@ig.com.br


A quem interessa os massacres nas favelas?

A tristeza causada pelas vítimas inocentes na guerra que a Polícia trava com o crime organizado nas favelas do Rio de Janeiro bloqueia a análise da extraordinária gravidade do fenômeno, a partir de um ângulo essencial: a deterioração do Estado brasileiro.
Mas esta análise precisa ser feita, se se deseja, de fato, solucionar o problema do crime organizado.

Mais informações »

A causa do negro




Um grande artista negro, já rico e respeitado, ao ouvir as queixas de um jovem negro discriminado em seu trabalho, respondeu: “Eu entendo bem o seu problema, eu também já fui negro”.

No Brasil, a questão negra é indissociável da questão social. Esta salta aos olhos, mas a discriminação racial é bastante sutil: a muralha de preconceitos cuidadosamente disfarçados mantém as portas abertas para aqueles negros que, mercê de talentos excepcionais, conseguem individualmente um lugar de destaque na vida social. Fecha-se, contudo, completamente à pretensão do conjunto da população afro-descendente de superar a pobreza.

Isto faz com que a estratégia de luta para afirmar os direitos e a dignidade dessa população deva perseguir simultaneamente dois objetivos: de um lado, conquistar condições especiais para que um número considerável de pessoas negras consiga condições de entrar em competição com a população branca pelas posições mais importantes da vida social; e, de outro lado, organizar negros e brancos que militam nas forças de esquerda para derrubar o regime que gera pobreza e instaurar uma sociedade mais homogênea e igualitária.

O atual sistema de “quotas” – com todos seus inconvenientes e limitações – ainda é o único meio prático que se encontrou para colocar pelo menos uma minoria da população negra em condições de superar a pobreza e de liderar intelectualmente seu povo.

Mas, atenção! O programa só funcionará se ficar claro tratar-se de um paliativo – medidas parciais que não estancam a máquina de fabricar pobreza e, portanto, a máquina de manter o preconceito. Pior: o sistema de “quotas” não assegura automaticamente que o jovem negro premiado com a oportunidade de superar a barreira da pobreza e da discriminação se torne um lutador da causa da sua gente. Isoladamente, o programa tende mais à cooptação dessa parcela da população negra pelo sistema que escravizou seus ancestrais e que continua a manter os descendentes em situação de inferioridade social.

Somente a perspectiva de mudança de todo o sistema garante que o beneficiário das “quotas” usará o instrumental adquirido em razão desse programa para mobilizar toda a população discriminada na luta contra o regime. Para quem conhece a composição demográfica do país, não há necessidade de dizer que esta é uma condição indispensável para que a esquerda possa promover uma alteração substancial da correlação de forças que mantém a burguesia no poder.

A visão da ruptura do sistema burguês – hoje o verdadeiro divisor de águas entre os brasileiros – pode ainda ser o grande fator de unidade do povo negro e da vitória da sua causa.

Desarmar e civilizar a Polícia




Não parece razoável trocar a vida de um ser humano – por pior que ele seja – para evitar que um automóvel seja roubado ou que um assaltante de banco escape da perseguição policial. No entanto, casos de pessoas atingidas por “balas perdidas” disparadas por policiais nesse tipo de operações acontecem diariamente nas grandes cidades.

Ao contrário do que usualmente se pensa, o uso indiscriminado de arma, longe de aumentar, reduz a eficiência da Polícia. Em vez do planejamento, da inteligência, do aprimoramento das técnicas de investigação policial, de capacitação dos policiais, é mais fácil, mais barato, menos trabalhoso – e obviamente menos eficaz – colocar um revólver na mão deles junto com a carta branca para utilizá-lo a torto e a direito.

A predominância do espírito corporativo na apuração dos casos de morte causados por balas perdidas conduz à absolvição fácil – quase automática – dos policiais envolvidos, quando muitas vezes trata-se de manifesta imprudência ou imperícia.

A certeza da impunidade só contribui para que o policial perca o sentido da importância da vida humana – mesmo tratando-se do pior criminoso. Os “esquadrões da morte” nascem dessa aberração.

Como violência chama violência, aquilo que em tempos passados era relativamente raro, tornou-se hoje corriqueiro: criminosos alvejam policiais. Em vez de procurarem uma solução civilizada e eficiente para esse problema, as autoridades públicas preferiram a solução assassina: “diante do perigo, primeiro atire, depois verifique se se trata mesmo de um criminoso”.

O pior é que, atrás dessa barbaridade, há evidentemente uma forte dose de preconceito social e racial. Não é por acaso que a grande maioria das vítimas de “balas perdidas” seja de pessoas pobres: a vida de quem mora na periferia vale menos para as classes que comandam a política brasileira.

Urge encontrar um parlamentar corajoso para apresentar um projeto de lei regulamentando o uso de arma nas ocorrências policiais. Desarmar a Polícia é melhor para a própria Polícia. Pena é que ela não sabe disso.

Um tapinha dói e é crime. Defenda seus direitos e denuncie!!!


Vânia Dias, Estudante de jornalismo das
Faculdades Integradas da Bahia (FIB)

De acordo com dados do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dos 53 milhões de brasileiros pobres, 33,7 milhões são afro-descendentes. Eles representam hoje 70% dos 10% mais pobres do país. Estudos que denunciam agressões assinalam uma interseção entre raça, gênero e classes sociais, a fim de evidenciar os fortes contrastes entre brancos e negros, ricos e pobres na sociedade brasileira. De acordo com a pesquisa “A mulher brasileira nos espaços públicos e privados”, realizada pela Fundação Perseu Abramo, 6,8 milhões de mulheres no Brasil já foram espancadas ao menos uma vez. Destas mulheres, a maioria é negra. Na Bahia, o Coletivo de Mulheres do Calafate luta em defesa de mulheres negras e pobres que sofrem violência doméstica. O distrito composto por 12 bairros do subúrbio tem uma média de 244 mil 880 habitantes. No Calafate, um dos bairros deste distrito, a violência contra a mulher é uma característica bastante comum. A cada dia surge um novo caso de mulher vítima de violência, declara a coordenadora do Coletivo de Mulheres, Marta Leiro: “Não há uma pesquisa específica para definir o número exato de vítimas e nem quantas já foram atendidas, mas trabalhamos na tentativa de conscientizar e inibir novos casos semelhantes”.

O Coletivo, nos seus 13 anos de trabalho, sempre enfrentou preconceitos. De marido que tirou a mulher à força do grupo a milhares de casos de agressão. Com fama de separar muitos casais, Marta, mesmo em defesa da violência, também é uma vítima. Ela sofre atualmente ameaças de morte por coordenar esta atividade e luta para combater as tentativas de enfraquecimento do Coletivo. “Querem podar nosso trabalho, mas a luta continua. Não se pode intimidar com ameaças”, declara.

Motivada pelo medo de ser ainda mais violentada, ou mesmo, assassinada, Janete Brito dos Santos (38 anos), auxiliar de apoio em escola estadual, sofreu calada por 20 anos, as agressões praticadas pelo pai de seus três filhos e, na época, seu marido, Edmundo Moreira Ferreira. A última agressão praticada por Edmundo aconteceu em um domingo de maio, em um bar onde Janete tomava cerveja com os amigos. Sem nenhum motivo aparente, Edmundo, ao passar pelo bar e ver a sua ex-mulher, agrediu-a publicamente, com um tapa no rosto. “Eu nunca me senti tão humilhada”, declara Janete. Everaldino Sacramento (28 anos), um vizinho que presenciou a agressão, partiu em defesa de Janete e revidou a violência dando um murro em Edmundo. Jorge Cerqueira, atual marido de Janete, mesmo sabendo de todas as agressões, prefere não se envolver no assunto.

Orientada pelo Coletivo de Mulheres do Calafate, Janete pela primeira vez depois de 20 anos prestou queixa na Delegacia Especial da Mulher (Deam). “Se não fosse o Coletivo, eu não teria denunciado”, diz Janete, que recebeu todo apoio e acompanhamento. Aline de Jesus Sacramento (24 anos), mãe de dois filhos, foi agredida na cabeça pelo ex-marido, 25 dias após o parto. Na ocasião, integrante do Coletivo, ela prestou queixa na Deam, mas o caso não foi adiante, não havendo nenhuma punição para o agressor. Para Aline, os vizinhos, baseados no ditado de que em “briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”,não se envolvem, apenas fazem fofocas e julgamentos.

Casos como os de Janete, Aline e de tantas outras mulheres contam agora com a nova legislação, que transforma agressões domésticas em crimes. A inserção dos parágrafos 9º e 10º do artigo 129 altera a detenção de três meses a um ano, para a inclusão da violência doméstica no código penal como crime específico e pena de seis a doze meses de detenção. Órgãos de defesa do direito da mulher, a exemplo da Deam, querem instituir além de multas e cestas básicas, punições consideradas inócuas para os agressores, penas educativas, como o serviço à comunidade e participação em grupos de reflexão. Mesmo com a nova lei, a prisão só é aplicada para casos extremos, como estupro, que é crime hediondo.

Antes de se aprofundar nas múltiplas formas de violência, Marta não tinha consciência de que quando era chamada de burra pelo ex-marido estava sofrendo um caso de agressão verbal e psicológica. “Eu achava que nunca tinha sido agredida, até ser apresentada à violência”, diz Marta. Nos primeiros momentos, o Coletivo de Mulheres fazia encaminhamento de intervenções, entrava na casa da pessoa agredida para garantir a defesa dela. Atualmente, espera-se que a vítima peça ajuda. O Coletivo oferece também palestras, aulas e oficinas que visam a uma maior conscientização e transformação dos problemas locais.

Veraldino Sacremento, conhecido como BS, é professor e presidente do Grupo de Capoeira Calafate. Alegando imaturidade e ciúmes, ele confessa já ter agredido uma ex-namorada e sua ex-mulher. Na ocasião, mesmo sabendo que podia ser punido pela justiça, BS não tinha medo da cadeia, mas da possibilidade de vingança de algum parente. “A justiça não nos protege, a lei da vida não tem sentença e nem regras, difícil é manter-se vivo”, desabafa. Depois de participar de palestras e oficinas oferecidas pelo Coletivo, diz-se consciente e arrependido das agressões. Hoje dá conselho a outros homens que praticam violência no bairro e é ameaçado de morte, por ter defendido Janete da agressão do seu ex-marido, Edmundo. Ficou por muito tempo sem poder andar pelo bairro, deslocando-se apenas de táxi. O caso está na 2º vara criminal e a primeira audiência está marcada para o dia 13 de julho.

Serviço
Para fazer denuncia ou procurar orientação em Salvador:
• Balcão de Justiça e Cidadania – das 9h as 12h – 71 3253-9904,
• Delegacia de Atendimento a Mulher – 71 3245-5481,
• Centro de Atendimento as Vítimas de Violência na Bahia – 71 3362-9090.

Como evitar ou reconhecer os sinais de possíveis agressões violentas:
– Ele olha para mulher ou age de um jeito que provoca medo;
– Deixa ela constrangida falando palavrões ou diminuindo a sua auto-estima;
– Controla o que ela faz, quem encontra, com quem fala e aonde vai;
– Impede a mulher de sair de casa., ver ou falar com os amigos ou parentes;
– Faz ela pedir dinheiro, Fica com o dinheiro dela e recusa a dar dinheiro;
– Diz que não é boa mãe, ameaça tirar as crianças ou machucá-las;
– Sacode, esbofeteia ou bate;
– Destrói as coisas, esconde os documentos ou ameaça matar animais;
– Intimida com armas de fogo ou armas brancas;
– Não se importa com as agressões, tenta culpá-la ou nega ter sido violento;
– Obriga você a retirar a queixa quando você vai a policia;
– Ameaça se suicidar;
– Ameaça matar.

Informações disponibilizadas na Delegacia Especial a Mulher, em Salvador.

Maria Mazzarello – MAZZA. A mulher e a editora vitoriosa

Com um trabalho de resistência, há 25 anos editora belo-horizontina valoriza a produção intelectual do negro brasileiro.


No bairro Pompéia, em Belo Horizonte, há uma empresa responsável pela edição de livros que valorizam a cultura afro-brasileira e a produção intelectual afro-descendente. Chegando ao número 101 da Rua Bragança, um casarão de dois andares, fomos recebidos por uma senhora de 65 anos, franzina e serena. Trata-se de Maria Mazarello, responsável pela criação da Mazza Edições, editora dedicada ao crescente mercado étnico-cultural e que completou, em maio de 2006, 25 anos de atividade, com mais de 500 títulos publicados, entre livros de ensaios sociológicos e antropológicos, contos, poesia e obras didáticas.

O Começo
O desejo de divulgar a produção intelectual dos negros despertou em Maria Mazarrello numa época em que ela se encontrava fora do Brasil, na Europa. Ela conta que nos anos 60 começou a trabalhar na área de edição de livros, através da experiência de pequenas, mas importantes, editoras que existiram em Belo Horizonte. “Nesta época, quando ajudava na Livraria e Editora do Estudante, recordo-me que Chico Buarque lançou o ‘Pedro Pedreiro’. Ficava na rua Tupis, nº 85, e foi fechada pela ditadura. Tempos duros”, relata Maria Mazarello.

Após o fechamento da Livraria e Editora do Estudante, Mazza, como é chamada normalmente por todos, se juntou a um grupo de pessoas ligadas à universidade federal, sendo que muitos tinham sofrido com os rigores da ditadura. A nova proposta era abrir uma editora que veiculasse idéias novas, trabalhasse com material didático, principalmente na área universitária. Assim surgiu a editora Vega. “Vega é uma estrela em direção à qual o sistema solar caminha”, explica. “Quem criou a logomarca da Vega foi um cidadão que na época a gente chamava de Henriquinho, que tinha 18 anos, e que depois, Brasil afora, ficou conhecido como Henfil. O primeiro livro dele, ‘Hiroxima, Meu Humor’ quem publicou foi a gente”.

Segundo Mazza, a Vega lutou para sobreviver por cerca de dez anos, até 1978: “sempre inovando, contestando, com problemas com os militares, e por isso muito visada. Um dos mentores da editora foi Edgar da Mata Machado (advogado, jurista e deputado), que era pai de José Carlos da Mata Machado, morto pela ditadura militar. A gente tinha um material muito bom, mas não conseguia vender, pois nossos livros se encontravam no índex da censura do governo”, relembra Mazza
Foto: Netun Lima
Em 1978, após a editora Vega ter sido passada para um grupo de pessoas que mais tarde teriam participação destacada na criação do Partido dos Trabalhadores, Mazza, com uma bolsa do MEC, foi fazer mestrado de Editoração e Comunicação Visual no exterior, dois meses após a morte de sua mãe. “Eu já vinha pleiteando a bolsa há muito tempo, queria fazer o mestrado na Espanha. Acabei cursando na França, por dois anos, na Universidade Paris 13, que era a única universidade socialista da França. Era uma universidade que ficava no subúrbio, estudávamos em horário integral”.

A partir daí, segundo ela, sua vida mudou. Para quem trabalhava desde os quatro anos de idade, olhando crianças e vendendo ovo e verdura na cidade natal, estudar na Europa era um privilégio reservado a poucos. “Minha cidade, Ponte Nova, era uma cidade escravocrata, onde se cultivava café, cana de açúcar e muito preconceito. Eu, de repente, com 38 anos, estava estudando em Paris, com uma bolsa do MEC de US$ 250. Outros bolsistas ganhavam U$ 500, US$ 800… Mas pra mim US$ 250 era uma benção, e eu estudava mesmo e observava”.

Nas férias, Mazza aproveitava para conhecer Alemanha, Espanha, Itália – e fazer pesquisa editorial. “Da Europa eu observava também melhor a cobertura política dos países do Terceiro Mundo. Aí comecei a sentir a explosão da questão da negritude no Brasil, comecei a acompanhar melhor os movimentos negros, principalmente a criação do MNU. Numa das minhas viagens na época, conheci o primeiro negro africano na minha vida, justamente na Europa. Fiquei impressionada. Eram negros de diversos países e etnias, intelectualizados demais, filhos de certa elite africana que iam estudar na Europa. Assim, tomei conhecimento com uma África que eu desconhecia no Brasil”.

Após fazer um breve estágio pela Unesco em Guiné-Bissau, Mazza decide que seu projeto de conclusão do mestrado seria a criação de uma coleção que fosse capaz de recontar com fidelidade a verdadeira história do negro no Brasil. “Nesta altura, eu tinha de voltar e havia alguns convites para trabalhar em editoras de São Paulo e Rio de Janeiro. Mas recusei e pensei que, entendendo de gráfica e de editora, poderia abrir um negócio no qual pudesse investir na edição de livros que tratassem de questões relacionadas aos negros.

Persistência e visão empresarial
Para montar a nova editora – no mesmo espaço onde atualmente funciona a Mazza Edições -, ela contou com a ajuda de alguns amigos para comprar uma máquina de composição e iniciar os trabalhos. “Estas pessoas não concordavam com as questões da Negritude, mas acreditavam e confiavam em mim”. Assim, com a máquina de composição e uma máquina de impressão bem desgastada, manual, comprada dos salesianos, estava pronta pra começar a coleção Essa História Eu Não Conhecia.
“Comecei a procurar os intelectuais negros para escreverem os textos dos livros. Foi aí que me dei mal, pois textos grandes eles não tinham problemas para escrever, mas um texto condensado, simplificado, um texto que qualquer pessoa compreendesse era difícil encontrar alguém capaz de redigir. Certo dia, alguém chegou com um texto mimeografado chamado ‘A Escravidão no Brasil’, de Maria Raimunda, uma professora de escola pública do Maranhão, que, diziam, com aquele livrinho fazia um furor e foi perseguida demais. Encontramos essa mulher, pedimos a autorização dela e lançamos o primeiro número”. Foram cinco edições. Depois dele, outros três seriam editados, incluindo um sobre a Mulher Negra e outro sobre Zumbi dos Palmares.
Foto: Netun Lima
A partir daí, surgia em Belo Horizonte, em 1981, a Mazza Edições. Porém, as dificuldades de se prender a um ideal, sendo uma empreendedora independente, fizeram com que a editora se abrisse a outros tipos de publicação para poder manter-se no mercado. “Aos poucos, percebi que não poderia apenas publicar a Negritude, pois não conseguiria manter a editora. O próprio Movimento Negro falava que não podia pagar o meu trabalho. Eu brigava com todos eles, mas todos me respeitavam. E, muitas vezes, acabava o material sendo feito por mim. Para não fechar, tive de fazer outras coisas. Um dia, uma amiga minha da biblioteca comunitária me disse: ‘Ô, Mazza, tem um filho dum amigo que é poeta, o Álvaro Andrade Garcia. Ele ‘tá com um livro pronto, você não quer fazer o livro dele não? Ele pode pagar, fez um primeiro livro que não ficou bom’. Então, fiz o livro do Álvaro. A partir daí, a poetada toda passou a procurar a Mazza Edições para publicar. E eu salvei a editora e pude também continuar a publicar a Negritude”.

Com a editora assegurada, a consolidação no mercado era uma via natural, até quando começaram a chegar os autores que hoje são renomados. “Um dia, me telefona o Cuti, de São Paulo, antes da existência da Quilombhoje, encomendou uns folhetos para o movimento de lá. Depois apareceu o Edimilson (de Almeida Pereira) com a Núbia (Pereira de Magalhães Gomes) trazendo um livro que eles tinham feito, chamado ‘Assim se Benze em Minas Gerais’, mas que a Universidade de Juiz de Fora não deu conta de fazer. Foi aí que começou uma parceria com o Edimilson que, pra mim, é ad infinitum.”

Em 2003, o presidente Lula sancionou a Lei 10.639, que determina a inclusão da História e Cultura Africana e Afro-brasileira no ensino médio e fundamental, o que provocou uma correria muito grande de diversas editoras para lançar livros sobre a temática no mercado. Sendo uma exceção – positiva – no mercado editorial brasileiro, a Mazza Edições, com sua trajetória visionária e de resistência, passou a ter a possibilidade de atingir novos públicos. “Com a aprovação dessa lei, e a valorização e o resgate da memória africana e afro-brasileira, uma luta de que eu já participava há mais de 20 anos, é que a situação melhorou um pouco para a editora. Passamos a vender mais livros para as escolas. Conseguimos vender um livro para o Ministério da Educação. Dos 25 livros que apresentei, um foi escolhido pelo ministério. A situação melhorou tanto que pude até abrir uma fundação, onde hoje oferecemos para a comunidade um curso pré-vestibular e outro de informática”.

Considerando-se já cansada para prosseguir à frente da editora, Mazza tem a certeza de que seu trabalho não foi em vão e que os frutos estão amadurecendo, com crescente participação. “Acho que a verdadeira história do negro no Brasil tem de ser melhor conhecida, assimilada e conscientizada. É uma grande falha nossa, enquanto brasileiros, não termos consciência de que a África é muito do que somos e herdamos. Não temos consciência da resistência de diferentes povos para nos deixar um legado muito grande de herança, que não é só o futebol, o samba e o carnaval.

25 Anos com Novas Coleções
No ano em que completa um quarto de século de atuação no mercado editorial, a Mazza Edições lançou, durante a Semana Cultural do Senegal, em Belo Horizonte, no mês de maio, em evento promovido pela editora e pelo Centro Cultural Casa África, duas novas coleções: a Griot Mirim e Olerê. São livros destinados às crianças que estão no início da alfabetização. Da coleção Griot Mirim serão lançados os livros “Meninas Negras” e “Koumba e o Tambor Diambê”, de autoria de Madu Costa, e “Que Cor É a Minha Cor”, de Martha Rodrigues.

Já a Olerê é coordenada pelo escritor, poeta e antropólogo Edimilson de Almeida Pereira, que abre a coleção com o livro “O Congado para Crianças”. Desde 1988, Edimilson vem publicando grande parte de sua obra com a Mazza Edições, entre livros de ensaio, poesia e infantis. “O coração de minha obra circula a partir da Mazza Edições. Em termos de repercussão, eu tenho com a Mazza uma dívida impagável. O primeiro livro publicado foi o “Assim se Benze em Minas Gerais”, e ela apostou desde o início, e de lá para cá não paramos mais. A preocupação da editora nunca foi de fazer best seller, mas de publicar obras de estudos. A Mazza tem uma posição extraordinária, pelo fato de ser mulher, num mercado patriarcal. É uma editora que não só seleciona o material, mas preocupa-se em destacar os temas relacionados à cultura afro-brasileira. Assim, ela entendeu muito cedo que publicar a cultura afro-descendente no Brasil é publicar a cultura brasileira”, acredita Edimilson de Almeida Pereira.

Além destas coleções, para celebrar a data, a editora publica ainda os livros “Becos da Memória”, romance da mineira Conceição Evaristo”, o infantil “A Fuzarca de Noé”, de Ronaldo Simões Coelho, e o “Livro do Professor”, de Mara Catarina Evaristo.

Racismo e sistema penal

O racismo é uma variável fundamental para compreendermos o funcionamento do sistema penal brasileiro e o projeto genocida de Estado
Ana Luíza Pinheiro Flauzina, Mestra em Direito pela Universidade de Brasília e professora do UniCeub.
analuiza@irohin.org.br
É interessante observar como o sofisticado discurso da democracia racial, que conseguiu resguardar o Estado brasileiro da explicitação da existência do racismo, não foi capaz de penetrar o campo penal em sua plenitude(1). Nessa área específica da atuação institucional, a assepsia da raça na classe nunca se completou, sinalizando para um diagnóstico aberto da presença do racismo nos mecanismos de controle social penal. A desgastada tríade “preto, pobre e puta”, empregada como metáfora para os destinatários do sistema entre juristas e leigos, parece sinalizar para o que estamos sustentando, dentro de uma equação em que a ordem dos fatores altera substancialmente o produto.

Mas se as massas encarceradas e os corpos caídos estampando monotonamente o mesmo tom levaram necessariamente ao diagnóstico da presença do racismo na movimentação do sistema penal brasileiro, foi preciso obstaculizar a construção de uma teoria que desse sentido aos dados apresentados. Afinal, explicitar de alguma maneira que o sistema penal tem por principal função o controle e extermínio da população negra no Brasil é cindir definitivamente com o pacto da harmonia entre as raças. Isso não se pode permitir.

Foi então que se deslocou a variável racial do centro para a periferia das análises, situando-a apenas no rol ilustrativo das assimetrias que o empreendimento de controle social reproduz. As elaborações autorizadas são as que utilizam o negro como personagem, nunca o racismo como fundamento. Foi na biografia da escravização negra que o sistema penal começou a se consolidar e é na lógica da dominação étnica contemporânea que continua a operar em seus excessos. É o arranjo dessa relação de continuidade incontestável que se tenta obstar a qualquer custo.

A partir dos estudos efetuados pelos teóricos da criminologia crítica, que rompem com os padrões positivistas das causas do crime a atentam para a funcionalidade do sistema, a seletividade é apontada como uma marca que atravessa os sistemas penais em todo o mundo. Quantitativamente, é importante compreender que o sistema penal não foi feito, não pode e de fato não quer punir a todos os atos infracionais praticados. Aliás, se todos os delitos previstos no ordenamento jurídico fossem processados não haveria praticamente qualquer habitante que não fosse por diversas vezes criminalizado ao longo de sua vida. Esse é um mecanismo programado para não funcionar em sua máxima potência sob o risco de desencadear uma verdadeira catástrofe social.

No que se refere ao aspecto qualitativo, os estudos demonstraram, a partir das pesquisas de autodenúncia e vitimização, que a criminalidade é majoritária (a regra é a prática de delitos) e ubíqua, ou seja, está regularmente distribuída em todos os estratos sociais. O que ocorre é uma criminalização mais severa das condutas típicas dos segmentos mais vulneráveis e a imunização daquelas praticadas pelos hegemônicos. É importante ter claro, portanto, que todos delinqüem, o que ocorre é um recrutamento diferenciado dos grupos sociais para as fileiras da punição. As estatísticas oficiais passam a ser interpretadas então como uma amostra dos clientes preferenciais do sistema e não mais como a parcela da população que tem predisposição para a prática de delitos. A partir de todas essas considerações, a conclusão a que se chegou é a de que o sistema penal se presta mais ao controle dos indivíduos e dos grupos estigmatizados do que propriamente para a prevenção/repressão dos atos infracionais.

Mas se é verdade que os sistemas penais em todo o mundo são estruturalmente seletivos, do Canadá à Suíça, do Japão à Noruega, o fato é que nas periferias do capitalismo mundial essa realidade está estampada de maneira mais flagrante. Na América Latina, o entendimento é o de que os sistemas penais se movimentam na produção de um verdadeiro genocídio. A morte é mesmo o produto por excelência da movimentação dos sistemas penais latino-americanos.

Esse tipo de investida deve ser explicado pelo pacto social a que o sistema tem de dar sustentação (acintosamente assimétrico) e está ainda condicionado pelos destinatários do sistema. Dialogando com esses dois aspectos, o racismo é a variável que dá conta da carga excessiva de violência inscrita nas práticas penais de nossa região.

No Brasil, fazer o cruzamento entre racismo e sistema penal com esse nível de profundidade conta com uma resistência há muito cultivada pela intelectualidade branca. Afinal, sinalizar a existência de um sistema penal genocida voltado para o extermínio da população negra pode abrir frestas que extrapolam os limites do sistema. Sim, porque esse empreendimento se movimenta ancorado numa pauta, numa agenda política que o preside e extrapola. Defendemos mesmo que o sistema penal é a porção mais vulnerável de um projeto genocida de Estado multifacetado nas diversas instâncias da atuação institucional. As abordagens truculentas, os encarceramentos desproporcionais e as mortes abruptas fazem desse campo a arena mais sensível da engenharia genocida brasileira, a porta de entrada mais acessível ao empreendimento de extermínio que fora abraçado pelo Estado brasileiro desde a abolição da escravatura em finais do século XIX e com o qual nenhum governo subseqüente foi capaz de romper. Daí toda a interdição em se trabalhar os dados do racismo em torno do sistema penal teoricamente. Analisando historicamente a articulação entre racismo e sistema penal adotamos a periodização sugerida por Nilo Batista, que sinaliza a existência de quatro sistemas penais: o colonial mercantilista; o imperial-escravista; o republicano-positivista e o por nós denominado neoliberal. Uma sucinta análise desses empreendimentos de controle social permite aferir que os mais de trezentos anos de um direito penal de ordem privada, instrumentalizado por um sistema de controle que tem suas origens na relação casa grande e senzala, somados ao projeto de extermino que com o fim da escravidão formal transforma o negro na grande mácula à viabilidade do país, arrasta para dentro da República um sistema penal de base fundamentalmente corporal. Agravando todo esse quadro, os ventos do neoliberalismo aprofundam o controle diferencial dos segmentos como marca fundante da atuação do sistema penal da contemporaneidade.

Mergulhando nas contradições do sistema penal dos tempos globalizantes, encaramos uma realidade extremamente reducionista. Para os consumidores em potencial, chama mais uma vez a atenção Nilo Batista, deve-se evitar ao máximo o “contágio prisional”. É para esse segmento que se estruturam os Juizados Especiais Criminais, que apesar de terem ressuscitado uma criminalidade que antes escapava as malhas da punição, servem para reduzir os impactos do sistema sobre os indivíduos. São eles os acusados de homicídio culposo no trânsito, estelionato negocial, lesões corporais leves. Para esse contingente o discurso da humanidade das penas se aplica, servindo como um escudo ao abismo que a seletividade gerou. Do outro lado estão os infratores tomados como perigosos. Os que não consomem. Os autores de furtos qualificados e extorsão mediante seqüestro. Para esses o aprisionamento é a medida por excelência, devendo-se manter o indivíduo na prisão o máximo que se puder. Esse contingente é o que justifica todo o discurso da periculosidade e do medo, fazendo render uma poderosa indústria do controle do crime, que se expande no país. Esses são os verdadeiros clientes do sistema penal.

Toda essa diferenciação, obviamente, conta com o racismo como um elemento central na seleção dos indivíduos a freqüentarem as fileiras da punição ou da redenção. É mesmo importante compreender que o racismo é uma marca de nascença irremovível do sistema penal brasileiro. Digamos de maneira direta: o sistema penal age com tamanho grau de brutalidade e violência porque foi um instrumento pensado para controlar os corpos negros, na lógica da desumanização que o racismo impôs como regra. Por isso, apesar de atingir inegavelmente a negros e brancos, com intensidades diferentes, o sistema penal também é violento ao se deparar com os corpos brancos. É violento porque o racismo o condicionou dessa maneira. Estudar esse relacionamento incestuoso, nesse sentido, está para além de entender a relação entre sistema penal e a população negra. O racismo é uma variável essencial para a inteligibilidade do funcionamento do sistema penal brasileiro, para além do grupo a que esteja se dirigindo.

O desgastado discurso da “falência do sistema penal” perde, portanto, qualquer sorte de credibilidade. O sistema penal funciona e funciona bem. Funciona para os fins para os quais foi concebido: manter as pessoas onde estão. Mais especialmente, funciona para assegurar os termos de nosso pacto racial, auxiliando na disposição de negros e brancos em espaços concretos e simbólicos diferenciados.

Nesses termos, qualquer análise que objetive compreender a dinâmica de funcionamento do sistema penal brasileiro prescindindo da politização da categoria raça é necessariamente lacunosa. Há um potencial subaproveitado nessa seara, que pode contribuir decisivamente para o debate sobre as relações raciais no Brasil. A verdade é que trabalhando o sistema em toda sua complexidade estão abertas as portas de um projeto genocida que se pretende inviolável e que opera, há muito, para minar a existência coletiva da população negra neste país. Podemos dizer que, atirando no sistema, acertamos em definitivo no mito. Em última instância, equacionar os termos da relação entre racismo e sistema penal no país configura-se em um atalho estratégico para o sepultamento das narrativas conciliatórias de nossas relações raciais.

(1) Esse texto foi baseado na dissertação de mestrado intitulada “Corpo negro caído no chão: o sistema penal e o projeto genocida do Estado brasileiro”, por mim defendida na Faculdade de Direito na Universidade de Brasília.

Informalidade e Mercado de Trabalho – raízes históricas

A informalidade de hoje é, em grande medida, o resultado de uma ação pública calamitosa
Mário Theodoro, Doutor em economia e consultor do Senado Federal
mario@irohin.org.br

Na nossa coluna da edição anterior, fizemos menção ao surgimento da informalidade brasileira como um produto de duas “não-respostas”, ou duas omissões, digamos, históricas.

De um lado, a Abolição, sem a garantia de qualquer proteção por parte do Estado à população liberta, a que foi acrescida uma política de apoio à imigração européia, através da qual o Estado, além de financiar o translado dos europeus, oferecia-lhes ainda um conjunto apreciável de atrativos. A perspectiva que se ensejava era a da substituição da mão-de-obra escrava pela européia. Para tanto, como lembra Ronaldo Jorge Viera Júnior, o governo destinava aos imigrantes um punhado de benesses, tais como o pagamento de diárias até que lhe fossem dadas terras para o desenvolvimento de atividade econômica permanente, isenções fiscais como, p.ex., isenção dos impostos de ancoragem às embarcações que trouxessem mais de cem colonos brancos, de qualquer religião, sexo, procedência (1836), criação de legislação específica de proteção ao trabalho do imigrante – contratos de locação de serviços dos colonos, criação das Sociedades de Colonização que podiam intermediar a colocação da mão-de-obra do colono, entre outras.

Além disso, o Estado se responsabilizava pela imediata colocação – “logo que desembarcassem” – dos imigrantes no mercado de trabalho, seja no setor privado, seja em atividades da administração pública, e oferecia também isenção do serviço militar e a naturalização aos imigrantes que adquirissem terras no Brasil. Essa estratégia favoreceu sobremodo a instalação da mão-de-obra imigrante, ao mesmo tempo em que alijava os negros dos postos de trabalho nos setores mais dinâmicos.

De outro lado, a adoção da Lei de Terras, em 1850, foi uma espécie de golpe de misericórdia no projeto de inclusão e de equalização preconizado por alguns segmentos, sobretudo urbanos, daquela época. Ao ratificar a posse da terra aos antigos senhores, restituindo, na prática, o regime de sesmarias, o Estado alijava os trabalhadores de suas terras. Esses passavam então a serem ocupantes de terras alheias, e, como tal, não tinham direito de posse. Milhões de trabalhadores livres e libertos, sobretudo negros, passavam assim à condição de “sem terra”.

É interessante nos reportarmos ao historiador José Murilo de Carvalho, que lembra as diferenças de nossa Abolição em face do que ocorreu nos EUA. Os negros americanos, ao final da escravatura, receberam terras; foram construídas mais de 4 mil escolas, além de uma Universidade para acolhê-los, sendo ainda incentivado seu alistamento eleitoral. No Brasil, na ausência de qualquer iniciativa de inclusão por parte do Estado, negros livres e libertos vão constituir uma massa de pobres, miseráveis jogados nas atividades informais, como única via de sobrevivência.

A conclusão é pacífica. Nosso Estado, não só não acolheu os negros, como ainda dificultou-lhes o acesso ao trabalho e à terra (que é também , em última análise, trabalho). A informalidade de hoje é, em grande medida, o resultado de uma ação pública calamitosa, de uma política que não vislumbrava o negro senão como um fardo, um empecilho ao progresso. Essa é, de uma forma bem sucinta, a raiz de nossa informalidade. Daquela época aos dias de hoje, houve grandes mudanças. A economia passou por alguns surtos modernizantes, mas a essência da reprodução da miséria e da desigualdade manteve-se praticamente a mesma. Voltaremos ao tema.


Nascido em Itamarandiba, na Zona da Mata Mineira, Itamar Mendes, 50, veio para Belo Horizonte há 25 anos. Concluiu somente a 3ª série primária e, atualmente, mora em uma república em Contagem, na Grande BH. “Já vendi avental, vassoura, rodo, vendia ovos carregando uma caixa na cabeça. Depois passei a vender ‘negocinhos’ do Paraguai, rádio, agulha, pilha. Por último, me encaixei vendendo pipoca e doces; coisinha simples todo mundo gosta. Ismar Mendes não contribui para a Previdência, nem mesmo com carnê de autônomo. Já trabalhou com carteira assinada, mas não sabe quanto já contribuiu. Afirmou que sente uma enorme vontade de se aposentar. “Há dez anos vendo doces, pago meu aluguel e vou vivendo até o dia em que eu puder me aposentar. Dizem que tem jeito de se aposentar por idade, mas ainda não me informei”. (Daniela Giovana).

A dimensão racial da violência

Não há respostas satisfatórias para a questão da violência, porque ela cumpre afinal seu papel no extermínio do segmento negro da população.
Ana Luíza Pinheiro Flauzina, Mestra em Direito pela Universidade de Brasília e professora do UniCeub.
analuiza@irohin.org.br
Em 13 de maio de 1888, sabemos, deu-se o fim oficial da escravidão no Brasil. Dois anos depois, antes mesmo da feitura de uma Constituição para a nascente República, o Código Penal foi promulgado. A ordem social que se instaura num país de pessoas agora “livres” reclama prioritariamente por um instrumento de controle e coerção que auxilie na passagem sem rupturas do negro das senzalas para os bolsões da exclusão. Esse simbólico instrumento legal autoriza a responsabilização penal a partir dos nove anos de idade. Num tempo em que as elites brancas se sentem ameaçadas por uma possível mudança no status social da população negra, dentro de uma sociedade formalmente constituída por iguais, a redução da maioridade penal dá o recado inequívoco de que o segmento está sendo acusado de uma espécie de, no dizer de Nilo Batista, “infração existencial”.

O século XXI parece querer atentar para o fato de que a passagem do tempo não implicou a renovação de nossos problemas. O assassinato de um menino de seis anos de idade no último dia 7 de fevereiro, no Rio de Janeiro, fez o debate sempre à espreita da redução da maioridade penal reacender com vigor. Para chacoalhar, em um Senado Federal que não avança na aprovação de instrumentos fundamentais para a melhoria das condições de vida no país, discutem-se vários projetos que tratam da responsabilização penal de crianças e adolescentes, a partir de idades que chegam aos 13 anos.

Do ponto de vista legal não há o que se discutir quanto à afronta que esse tipo de proposta representa aos princípios constitucionais. De acordo com o entendimento de Flávia Piovesan, registrado em artigo de ampla circulação, a Constituição colocou entre as cláusulas pétreas as garantias e os direitos individuais, não podendo esse conjunto de salvaguardas ser objeto de modificação por meio de emendas. Sem dúvida, o direito à proteção especial conferida às crianças e adolescentes, que abrange a inimputabilidade penal dos menores de dezoito anos, está dentro da esfera das garantias, sendo vedada, portanto, qualquer tipo de alteração, constituindo ofensa grave inclusive a parâmetros internacionais.

Mas deixemos logo de lado essa ladainha. Afinal de nada mesmo nos adianta toda essa retórica jurídica diante da dança das cadeiras que manipula o ordenamento diante do grupo social a ser preservado ou controlado nesse país. Não nos deixa mentir a famosa “Lei de Tóxicos” (Lei nº 11.343 de 23 de agosto de 2006) que, atendendo às demandas de imunização da classe média branca, resguarda a categoria do usurário e avança ainda mais bruscamente sobre o segmento que tem de garantir a alegria das festas regadas a pó e dos “beques” descompromissados da intelectualidade, elevando a pena mínima do ilícito de tráfico. O necessário debate sobre as conseqüências sociais da criminalização das drogas? Esse, o cerne do problema, não está em pauta. Assim como não está pautado o ponto de tensão vital no caso do menino assassinado e todas as questões a ele subjacentes.

O fato é que carecemos de um debate do que venha a ser violência fora dos limites dos estereótipos usuais veiculados. Sim, porque associar a feição mais brutal dessa categoria à criminalidade típica dos grupos subalternos, desvinculando da discussão a dimensão da violência estrutural, assumida como metodologia de controle das elites na produção de um genocídio que vimos denunciando, é não só equivocado, mas também perverso. Fundamentalmente, não há interesse em se complexificar a discussão porque a pauta da violência entre nós, carregando uma dimensão racial de base, não está atrelada às condicionantes de sua materialização, mas aos corpos a que se dirige.

Enquanto o circuito da violência em sua modalidade mais visível está circunscrito ao perímetro que delimita a vida da maioria negra, o incômodo não se manifesta em passeatas de Ong’s de direitos humanos e entradas especiais em novelas das oito. Ao que tudo indica, a violência em seu lócus “natural” não dá ibope. Essa é uma agenda que só ganha algum relevo quando a arrogância das elites é arranhada pelas seqüências inevitáveis advindas do tipo de pacto social e racial imposto, quando a rotina das tragédias é interrompida e os cômputos usuais da morte associados à negritude extravasam o muro físico e simbólico de proteção construído em torno das elites brancas desse país.

E falo isso em respeito a João Hélio, que perdeu sua vida pela nossa ignorância. Em última instância, não há respostas satisfatórias em termos de políticas públicas para trabalharmos a questão da violência entre nós em toda sua complexidade porque não há e nunca houve interesse real em confrontá-la, na medida em que ela cumpre seu exitoso papel de extermínio do segmento negro, nitidamente identificado na construção de um campo social minado em torno da juventude.

Mães em desespero: Edna Ezequiel, mãe de Alana (13) assassinada no Rio de Janeiro em 05 de março.Foto: Marcos Tristão - Ag. O GloboE assim, mergulhado num sentimento de ameaça antigo que acompanha o sono de nossas elites, vamos mais uma vez arrastando nossas contradições para o futuro sem qualquer tipo de indignação mais conseqüente. O envolvimento de um adolescente na morte abrupta e prematura de uma criança de seis anos em nosso país não serve como sinal vermelho para questionarmos a estrutura social e racial que nos preside e a lacuna na rede de proteção que deveria acompanhá-lo. Ao contrário, esse é o sinal verde para que os processos de encarceramento sistemático da população negra, parte fundamental na produção do genocídio denunciado, ganhem novo fôlego. A escolha do sistema penal como o instrumento apto a intervir nessa realidade, com o viés centrado em práticas repressivas em detrimento das preventivas, é preciso ser dito, é a opção clara e consciente das elites pela morte, em detrimento da vida. O discurso enviesado amplamente difundido, que tem seu acento na conotação individual da violência, desconectado do terror de Estado que a promove e estimula, visa, em última instância, legitimar os processos de eliminação física que comprometem a existência do segmento negro do país. Trata-se, em suma, de recado direto e inequívoco de que o extravasamento da violência para fora de seu reduto patente não é tolerado sem reação, sendo essa mesma violência por demais estratégica na materialização da morte dos grupos excluídos para ser confrontada.

“É o descaso cobrando a conta”, nos lembra Hamilton Borges. Por ela pagam a inocência da infância branca bruscamente interrompida e as centenas de corpos negros que não tem a seu favor o benefício da revolta.

Maioridade penal, modernidade e racismo

A redução da idade penal não é novidade no Brasil e evidencia a negligência do Estado diante dos problemas estruturais que afetam dramaticamente a juventude brasileira.
Hédio Silva Jr., 45, Advogado, Doutor em Direito pela PUC-SP, é Coordenador Executivo do CEERT – Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades.
Dentre as propostas que visam reduzir a maioridade penal, destaca-se a PEC 151/95, em tramitação na Câmara dos Deputados, que pretende retirar da Constituição Federal a previsão de qualquer limite mínimo de idade para a responsabilização penal, transferindo a regulamentação da matéria para lei ordinária e liberando, literalmente, a redução da idade penal.

Argumenta o relator da proposta, Dep. Alberto Fraga (PMDB-DF), que no Brasil contemporâneo os adolescentes já teriam desenvolvido suficiente autonomia moral e capacidade de discernimento, de sorte que a suposta modernização legislativa configuraria uma decorrência natural da modernização da sociedade.

A tese da adaptação da lei a necessidades modernas não resiste, entretanto, à mais desatenta observação da história do direito penal brasileiro.

Com efeito, o direito penal lança raízes no Brasil com a publicação, em 1603, do Livro V das Ordenações Filipinas, cujo Título 135 fixava a idade de 17 anos para a imputabilidade penal.

Hédio Silva Jr./ Foto: Renato RucciProclamada a Independência e promulgada a primeira Constituição brasileira, entra em vigor o Código Criminal do Império, em 1830, que reduziu o limite de idade para 14 anos.

Já o Código Penal republicano, de 1890, adotado dois anos depois da abolição formal do escravismo, e um ano antes da primeira Constituição da República, permitia a responsabilização criminal a partir dos 9 anos.

Assim é que durante quatro décadas vigeu no Brasil a regra da imputabilidade penal aos 9 anos, revogada apenas em 1932, com a aprovação da Consolidação das Leis Penais, que elevou o limite mínimo para 14 anos.

Finalmente, com a reforma penal empreendida pelo Estado Novo, foi aprovado o Código de 1940, ainda em vigor, fixando a capacidade penal aos 18 anos, norma esta alçada ao nível constitucional, conforme disposto no art. 228 da Constituição vigente.

Temos, pois, que a redução da idade penal nada tem de novidade, constituindo, na essência, um critério de política criminal que apenas atesta a negligência do Estado em face dos problemas estruturais de educação e de integração social e econômica da juventude brasileira. Ademais, admitindo-se o duvidoso raciocínio evolucionista delineado na defesa da referida PEC, não tardará o dia em que, em nome do combate à criminalidade, o Congresso Nacional termine aprovando uma lei que prescreva a esterilização compulsória das mulheres negras e pobres, cujos filhos, como se sabe, são tratados com especial atenção por setores dos órgãos de segurança pública e do sistema penal.

Aqui está, a propósito, um exemplo sinistro de ação afirmativa, de inclusão racial promovida pelo Estado – a inclusão penal.

Não fosse o bastante, a PEC em exame prevê que a imputabilidade será definida de acordo com aspectos psicossociais do acusado, aferidos em laudo emitido por junta de saúde, ou seja, o critério etário, legal, objetivo, dará lugar a um critério subjetivo: uma junta de saúde dirá se tal ou qual indivíduo agiu tendo ou não discernimento da ilicitude de seu ato.

O problema, como todos sabemos, é que a diplomação em psicologia, medicina, serviço social ou direito, não isenta os diplomados dos efeitos dos estereótipos e dos preconceitos construídos, reproduzidos e disseminados socialmente, como demonstram, por exemplo, pesquisas desenvolvidas pelo Núcleo de Estudos da Violência, da Universidade de São Paulo, segundo as quais a Justiça Criminal de São Paulo dispensa tratamento mais rigoroso aos acusados negros em relação aos brancos, ainda quando ambos tenham praticado delitos similares.

Dúvida não pode haver, portanto, de que a PEC em exame não apenas deixa intactos os problemas centrais da política de segurança pública, como também permite a legitimação da velha e sempre presente noção lombrosiana de criminoso nato, defendida nos trópicos por Nina Rodrigues, nome com o qual ainda hoje se identifica o Instituto Médico Legal da Bahia. Resta saber se o Movimento Negro, os operadores do direito e os juristas democratas permanecerão passivos diante de mais esta afronta à cidadania e ao Estado Democrático de Direito.

A banalidade do mal

O que leva agentes do Estado a executar de forma tão natural meninos negros? O que os motiva? Por que se sentem autorizados a cometer estes crimes? A autora reflete sobre racismo institucional e a execução sumária de adolescentes negros no Brasil.
Ana Paula Maravalho, Conselheira Gestora do Observatório Negro. Mestre em Direitos Humanos pela Universidade de Paris X, Nanterre

Carlos Rodrigues Júnior, 15 anos, Denis Henrique Francisco dos Santos, 13 anos, e Djair Santana de Jesus, 16 anos, não se conheciam. As circunstâncias de suas mortes, no entanto, uniram estes adolescentes pelos laços de um parentesco que remonta à origem do Brasil, país que, em décadas nem tão remotas assim, se orgulhava de se autodenominar “o país do futuro”. Os adolescentes, respectivamente residentes em Bauru (SP), Recife (PE) e Salvador (BA), foram assassinados pela Policia Militar de seus estados, nos meses de dezembro de 2007 e janeiro de 2008. Tinham em comum, além dos sonhos característicos desta faixa etária, o fato de serem negros e pobres, de estarem desarmados e de não oferecerem nenhum risco à policia no momento em que foram abordados.

Carlos Rodrigues Junior estava em sua residência, na madrugada do dia 15 de dezembro de 2007, quando seis policiais militares (o tenente Roger Marcel Vitiver Soares de Souza, 31 anos, o cabo Gerson Gonzaga da Silva, 42 anos, e mais os policiais Emerson Ferreira, 35 anos, Ricardo Ottaviani, 34 anos, Maurício Augusto Delasta, 33 anos, e Juliano Arcangelo Bonini, 34 anos) entraram em seu quarto e procederam a uma sessão de tortura que, ao fim de 30 choques elétricos, levaram o adolescente à morte.

Denis Francisco dos Santos foi espancado por alunos da Policia Militar (Baltazar Arantes da Silva, que confessou ter dado uma gravata no adolescente, e mais Ganduso Pereira Diniz, Frederico Renan de Albuquerque Lima e Eduardo de Souza Xavier, suspeitos de omitir socorro à vítima), e morreu por asfixia, em conseqüência dos golpes recebidos, quando participava de uma prévia carnavalesca no bairro do Cordeiro, em Recife, acompanhado de seus familiares, no dia 13 de janeiro de 2008.

Djair Santana de Jesus foi baleado pelas costas, arrastado e novamente baleado na cabeça em seu bairro, no Pelaporco, em Salvador, em uma ação da Policia Militar, em 15 de janeiro de 2008. Nos três casos, a veemência dos protestos das familiares das vitimas (todas mulheres) que presenciaram os assassinatos – denunciando in locco e depois, corajosamente, nos meios de comunicação – é contestada pela fraca argumentação policial de “fatalidade”, nos casos de Carlos e Denis, e de “reação à prisão”, no caso de Djair – apesar do tiro nas costas. Para as mulheres que denunciam os crimes, resta a incômoda situação de testemunha ameaçada, ou ainda de vitima da violência e achincalhe policial, como no caso de uma das tias de Djair, baleada nas nádegas. A morte dos três adolescentes confirma tristemente as estatísticas do Mapa da Violência 2006, que situa o Brasil em 3° lugar no assassinato de jovens, num ranking de 84 países. Dentre os jovens assassinados, jovens negros têm um índice de vitimação 85,3% superior aos jovens brancos. Além disso, o estudo aponta que o crescimento do numero de homicídios nas ultimas décadas, no Brasil, explica-se exclusivamente pelo aumento de homicídios contra a juventude: enquanto as taxas de homicídios entre os jovens aumentaram de 30,0 para 51,7 (por 100.000 jovens) no período de 1980 a 2004, neste mesmo período as taxas de homicídio para o restante da popula ção diminuíram de 21,3 para 20,8 (por 100.000 habitantes). Outro dado importante é que a faixa etária em que ocorre um significativo aumento no numero de homicídios é a de 14 a 16 anos.

O Mapa da Violência é um estudo que se propõe a conhecer e dimensionar a violência no Brasil, oferecendo dados que possibilitem a orientação de políticas públicas destinadas ao seu enfrentamento. Neste sentido, as informações sobre a importância do fator racial na vitimação de jovens, aliadas à constatação da magnitude do impacto do homicídio de jovens no aumento de homicídios da população como um todo e, finalmente, da tendência de diminuição da faixa etária destes homicídios, não deixam dúvidas quanto ao caráter genocida em relação à população negra que a violência vem assumindo ao longo das ultimas décadas no Brasil.

Esta reflexão é de importância capital para os estados onde ocorreram os homicídios dos três adolescentes. Em lugares onde a polícia distorce suas funções para cometer um crime bárbaro – assassinar um adolescente indefeso, através de choque elétrico, armas de fogo ou com as mãos nuas – é preciso reconhecer que há uma inversão da ordem que ameaça a sustentabilidade moral do poder. Torna-se, então, imperioso responder a questões tais como: o que leva agentes do Estado a executar de forma tão natural meninos negros? O que os motiva? Por que se sentem autorizados a cometer estes crimes?

Segundo o Mapa da Violência, Pernambuco, em 2004, ocupava o 1° lugar entre os estados brasileiros com maior taxa de homicídios da população total, e o 2° lugar entre as maiores taxas de homicídios da população jovem, superando de longe São Paulo (10° lugar na taxa de homicídios da população total e 9° na taxa de homicídios de jovens) e Bahia (22° lugar na taxa de homicídios para a população total e jovens). A clareza dos dados estatísticos, no entanto, não tem sido suficiente para orientar a ação governamental. O Plano de Segurança Publica do estado – batizado de Pacto pela Vida – ignora completamente estes dados em seu diagnostico, impossibilitando a adoção de medidas de enfrentamento à violência racial, sobretudo quando esta violência encontra-se enraizada na ação da própria policia.

O assassinato do garoto Denis Henrique é praticamente uma reedição de outro caso ocorrido em 2006, quando um grupo de adolescentes negros foi abordado pela Policia Militar no centro do Recife, durante o carnaval. Após serem espancados, os jovens foram obrigados a entrar no rio Capibaribe; em conseqüência dos ferimentos, um deles morreu afogado. Durante o processo de julgamento dos policiais responsáveis pela ação, outro jovem do grupo morreu em circunstâncias não explicadas, às vésperas de prestar depoimento.

A não punição dos culpados até o presente momento revela a outra face do sistema de segurança publica: a omissão da justiça em apurar casos nos quais vitimas fatais são pessoas negras, resultando na ineficácia da prestação jurisdicional em razão do pertencimento racial dos cidadãos. Assim, percebe-se que tanto a persistência da violência racial na policia, quanto o desinteresse explicito em combater o racismo entranhado na estrutura mesma do Estado encontram suas raízes no racismo institucional, definido como o “fracasso coletivo de uma organização em prover um serviço profissional adequado às pessoas por causa de sua cor, cultura ou origem étnica. Ele pode ser visto ou detectado em processos, atitudes ou comportamentos que denotam discriminação resultante de preconceito inconsciente, ignorância, falta de atenção ou estereótipos racistas que colocam minorias étnicas em desvantagem”.

A exclusão histórica do sujeito negro do acesso a bens e direitos, a desconsideração de sua personalidade jurídica nas instituições republicanas no Brasil e a adoção de teorias oriundas do racismo cientifico no século XIX como base do senso comum teórico no aparelho de segurança publica, alimentados na atualidade pela volta da idéia da “criminalidade nata da infância negra ” – defendida no pós-abolição por Nina Rodrigues e recuperada pelas campanhas de redução da maioridade penal – consolidaram a distorção da “presunção de culpabilidade” em relação à pessoa negra, ou seja: diante do aparelho de repressão estatal, pessoas negras serão priorizadas em abordagens policiais, em atos de tortura e ações que resultam em morte, pois na percepção dos agentes do Estado, o perfil do suspeito é a pessoa de sexo masculino, jovem e negro. A equação: democracia racial X estereótipos racistas X violência policial tem significado, para a população negra, um pesado saldo de execuções sumarias com efeito genocida, elementos presentes no assassinato dos três adolescentes.

Na verdade, a compreensão do caráter estrutural do racismo institucional permite o estabelecimento da responsabilização da própria autoridade publica omissa na adoção de políticas eficientes de enfrentamento à violência racial. Não basta apenas punir os responsáveis diretos pelos crimes – embora, sem o cumprimento desta etapa fundamental, qualquer perspectiva de prevenção de outros crimes seja impossível. É preciso ainda responsabilizar a autoridade pública encarregada da política de segurança.

Ao relatar e analisar o julgamento de Otto Adolf Eichmann, funcionário do governo nazista e responsável pela logística do transporte de prisioneiros para campos de concentração, Hannah Arendt deteve-se sobre a questão da responsabilidade dos vários níveis de execução de um crime de Estado, concluindo que o fato de estar mais “próximo ou distante do efetivo assassinato da vítima nada significa no que tange à medida de sua responsabilidade. Ao contrario, no geral o grau de responsabilidade aumenta quanto mais longe nos colocamos do homem que maneja o instrumento fatal com suas próprias mãos”.

Esta compreensão nos leva ao reconhecimento de que os funcionários que executam tais crimes acreditando desempenhar suas funções não podem ser qualificados de “monstros”, nem “pervertidos, nem sádicos”; ao contrário, são pessoas “terrível e assustadoramente normais”, pois sua ação se encaixa na lógica de um sistema; é, portanto, uma ação esperada e, geralmente, encorajada institucionalmente. O que assusta nesta situação não é a possível “anormalidade” da conduta de quem comete estes crimes, mas, ao contrário, sua absoluta normalidade, “mais apavorante do que todas as atrocidades juntas”, pois implica a existência de um criminoso que “comete seus crimes em circunstâncias que tornam praticamente impossível para ele saber ou sentir que esta agindo de modo errado”, mesmo porque sua ação nada mais é que uma conseqüência lógica do sistema no qual esta inserido. Ela cumpre uma trajetória que tem inicio na própria formação policial, carregada de estereótipos em relação à população negra, e que encontra eco na sociedade, onde os estereótipos criminalizantes e desumanizadores dirigidos a negros e negras são reproduzidos e alimentados nos meios de comunicação, na educação formal e nas relações sociais.

Ao priorizar a pessoa negra em suas abordagens, os policiais militares não inventam uma regra, mas seguem um roteiro preestabelecido, agem de acordo com o que aprenderam. Funcionando como um reflexo condicionado, a conduta racista na abordagem policial não exige reflexão por parte dos policiais que a praticam. E é exatamente na consistência superficial desta atitude que reside o problema, porque o mal que a anima se justifica pela idéia do dever cumprido, de um certo heroísmo mesmo. É, portanto, extremamente banal, e exatamente por isso pode se alastrar facilmente, indefinidamente.

Por outro lado, é exatamente a normalidade desta conduta que impede que ela seja combatida e punida – afinal, o extermínio (no nosso caso, o da população negra) é o resultado esperado, e mais que isso – o resultado programado em um Estado que se constituiu a partir do pressuposto da exclusão do contingente negro de sua população. Daí porque a punição dos agentes estatais responsáveis pelo extermínio físico deste contingente é a exceção. Mudar esta lógica é possível, mas exige como pressuposto o restabelecimento da moralidade no poder. Não de uma moralidade abstrata, mas aquela nascida do que Hannah Arendt conceitua como amor mundi – ou seja, a atitude de admiração pelas obras das gerações humanas passadas (considerando a humanidade em toda a sua diversidade) e desejo que tais obras sejam preservadas para as gerações futuras. Esta moralidade exige que o Estado abandone o propósito político inconfessado de exterminar contingentes inteiros de sua população, e assuma o compromisso de preservar para o futuro também as crianças, adolescentes e jovens negros, como parte integrante e constituinte da própria nação brasileira. Extinta esta parte fundante, é a própria nação que corre perigo de sobrevivência no futuro.

A mudança desta perspectiva está ao alcance do poder publico atualmente em exercício. Políticas públicas de combate ao racismo devem levar em conta o enfrentamento incansável ao racismo institucional, a mudança consciente de padrões de comportamento, de regras internas e de relacionamento com o publico, enfim, da mudança de paradigmas que permitam considerar a pessoa negra, em qualquer situação que se apresente, como detentora dos mesmos direitos e merecedora do mesmo tratamento dispensado às pessoas brancas. No cerne destas políticas deve estar a promoção de uma educação em todos os níveis que privilegie a capacidade reflexiva. Pois, como reflete ainda Hannah Arendt, se “a maldade não é condição necessária para fazer o mal”, a capacidade reflexiva, a busca empreendida pelo pensamento ativo é, sem dúvida, um antídoto poderoso contra a banalização do mal.

O Movimento Negro em Pernambuco, chamado a contribuir na elaboração da Política de Segurança Publica, elegeu entre outras medidas especificas, a adoção do Programa de Combate ao Racismo Institucional no âmbito do governo estadual e articular ações semelhantes com os governos municipais. Acreditamos que esta medida possibilitar á ao Estado responsabilizarse concretamente pela erradicação da violência racial, apontando para um novo paradigma do respeito aos direitos da população negra.

Black Rio – FILÓ: uma nova postura do negro, num contexto de repressão e autoritarismo
Asfilófio de Oliveira Filho (Filó), produtor da primeira banda Black Rio, esteve, desde o início, no centro dos agitados bailes soul dos anos 70, no Rio de Janeiro. Num momento do país em que as liberdades civis foram suprimidas, milhares de jovens negros reafirmaram sua identidade e fizeram dos bailes um exercício de liberdade, desafiando a repressão e o autoritarismo.
Edson Lopes Cardoso
edsoncardoso@irohin.org.br
Foto: Januário GarciaPáginas e mais páginas de histórias. Aos 60 anos e 40 deles dedicados à cultura negra, Asfilófio de Oliveira Filho – o produtor cultural Filó, contribuiu decisivamente para a criação dos bailes black nos anos 1970. Viu nascer a primeira roda de samba do Brasil, no Clube Renascença. E conviveu com grandes nomes da dramaturgia e da MPB: Elizete Cardoso, Roberto Ribeiro, Paulinho da Viola, Dona Ivone Lara, Zezé Motta, Zózimo Bulbul, Nei Lopes, Elis Regina, Belchior. Só pra citar alguns. Consciência negra, atitude, diversão e arte desviaram o caminho do jovem engenheiro. Dividia-se entre a administração da agência de automóveis da família e o agitado circuito Zona Norte-Zona Sul do Rio-e-Baixada Fluminense. Filó é figura histórica do showbusiness nacional. E tudo começou com a juventude reunida no clube negro Renascença. Embalou mais de um milhão de jovens do Rio de Janeiro no ritmo da Black Music. Ergueu a Soul Grand Prix. Disputou as paradas de sucesso e venda de LPs de Coletâneas de Soul, superando Roberto Carlos por semanas. Foi colunista do Jornal do Brasil e da Última Hora. Não escapou da repressão da ditadura, passou pelo DOPS. Virou alvo da grande mídia. Mas essa é mais uma das muitas revelações dessa entrevista ao Ìrohìn, que teve a participação de Carlos Alberto Medeiros (Coordenadoria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Rio de Janeiro) e Januário Garcia (excepcional fotógrafo e ativista) também personagens desse período que continuam na ativa.

Ìrohìn – Fale um pouco de você e de sua família.
Filó – Nasci no Rio, em 1949. Fui criado em várias comunidades, mas me fixei no Jacaré, próximo à Vila Isabel e ao Méier. Sou de família pobre: pai mecânico e mãe empregada doméstica. Meu pai conseguiu comprar e vender carros. Tornou- se dono de agência de automóveis e sócio de grandes empresários da época. Essa ascensão possibilitou a mim e à minha irmã a entrada na universidade. Fiz engenharia civil, na Fundação Souza Marques, que até hoje é de propriedade de família negra. Mas antes já tinha feito mecânica na Escola Técnica Nacional. A partir dos 17 anos, era o organizador da estrutura contábil administrativa da empresa, porque meu pai não tinha nem o primeiro grau (atual ensino fundamental).

Ìrohìn – Como começou seu envolvimento com a área cultural?
Filó – Com a comunidade. Aos 18 anos, ganhei um carro e comecei as andanças pelo Rio. Os negros tinham dificuldade de deslocamento. Zona Norte era Zona Norte, Zona Sul era Zona Sul, a Baixada era Baixada. Segregação socioespacial! O que unia eram as festas da Penha, os piqueniques na Praia de Guaratiba e Paquetá. Oportunidade para conhecer os sambistas, as tias, as comidas… Lembro que eu ia pro Irajá e quem mandava lá era o Nei Lopes. Saíamos da Zona Norte pra Zona Sul – no Beco da Fome, onde os artistas se reuniam. Lindaura era a tia do local. Servia três ou quatro pratos, só para os artistas que circulavam por ali: Toni Tornado, Tim Maia, Simonal. Era o meu point. Tinha vários amigos, como o Roberto Ribeiro, que estava começando.

Ìrohìn – Você já era sócio do Renascença?
Filó – Sim. Naquele momento, o Renascença era voltado para a família. Os diretores eram advogados, aposentados, engenheiros. Tinham posição, mas eram pessoas discriminadas em outros locais. Aconteciam festas básicas, como Miss Renascença, reuniões de almoço, baile da flor, baile de debutante. Havia pouco espaço para nós, jovens, e isso foi se tornando pesado. Chegamos ao ponto de que o grupo decidiu assumir o comando cultural do Renascença. Na época, Volnei da Almeida, Maneca, o falecido Haroldo de Oliveira e Airton Guimarães. Esse grupo fez com que o Renascença se transformasse num ponto cultural.
Medeiros – O pessoal tradicional do Renascença fazia festas tocando música erudita. A idéia era se diferenciar do negro pobre e do branco de classe média.
Filó – Exatamente. Havia a seguinte divisão: de agosto até março era o período do samba. As escolas de samba comandavam. Todos nós tínhamos as nossas alas. Grande parte do Renascença saía na ala Comigo Ninguém Pode da Mangueira. E eu estava lá. Mas tinha a galera do Salgueiro e da Portela. Acabou o carnaval, o que acontecia? Os grandes bailes! Era Ed Lincoln, Lafaiete. O esquema era cabelo gomado, visual todo trabalhado, sapatos de bico fino.

Ìrohìn – Como a dramaturgia entrou no clube? Qual o seu papel no grupo?
Filó – A palavra era transformação. Zona Sul, Zona Norte do Rio e Renascença começavam a mudar. E isso se deu através da cultura. Foi criado um grupo de teatro negro com Haroldo de Oliveira, Zózimo Bulbul, Zezé Motta, Geraldo Rosa. Montamos a peça Orfeu Negro com patrocínio da Letra S/A, que bancou um cenário sem cobertura, ao ar livre, no Renascença. Foi o maior sucesso. A música era do Paulo Moura e do Martinho da Vila. Só fera! Aquilo ali fez com que as portas se abrissem para essa galera jovem. Trabalhava como ator, mas minha praia era produção. Fiz iluminação e sonorização.

Ìrohìn – Aí você percebeu que tinha um potencial para a produção?
Filó – A partir do momento que se abriu espaço para a juventude, começamos a fazer uma atividade nas quintas-feiras. O ICBA (Instituto Cultural Brasil-Alemanha), através do nosso parceiro Itamar Fagundes, cedia equipamento e materiais. Convidamos a massa toda da comunidade local negra, principalmente das favelas do Macaco, Andaraí e Salgueiro. Havia uma onda de doença de Chagas, os barbeiros, e fazíamos palestras para a comunidade. Para atrair o pessoal, colocávamos filmes. E aquilo ali virou sucesso, todo mundo queria ouvir um som, começava a balançar. Aí começaram a nascer as atividades de domingo,os bailes . O Renascença se fortalece a partir dessa movimentação de saúde e cidadania. Nada de fazer festa pra ganhar dinheiro, nada disso. Tinha o samba do Bola Preta. Só que a casa não era nossa, não tinha identidade racial. Levamos esse desenho pro Renascença e montamos a primeira roda de samba do Brasil. Foi aí que o Renascença explodiu, ganhamos dinheiro pra caramba.

Ìrohìn – As rodas de samba aconteciam nos finais de semana?
Filó – Nas sextas-feiras acontecia uma roda de samba comandada por Elizete Cardoso. Só fera! Elizete Cardoso, Maestro Cipó. Surgiram Dona Ivone Lara, Emílio Santiago, Martinho da Vila, Roberto Ribeiro, Beth Carvalho. Tudo começando ali. E as grandes feras, Paulinho da Viola, Martinho já tinha estourado com a música Casa de Bamba. Elizete Cardoso era quem comandava. A roda de samba se tornou sucesso. Eu entrava com a produção, o visual, o som. O Renascença explodiu dessa forma. Tínhamos o Almeida na publicidade. Conseguimos fazer um projeto gráfico maravilhoso. Não havia computador, era tudo feito à mão.

Ìrohìn – Samba, teatro negro. E a agitação dos bailes Black e da Soul Music?
Filó – Era 1970, 1971. Costumam atribuir a Big Boy e Ademir Lemos, no Canecão, o surgimento do soul no Brasil. Mas isso não é verdade! O fato é que nós tínhamos intervenções no subúrbio por conta de vários outros companheiros, que se reuniam pra fazer festas nas casas. Baile não tinha, eram reuniões. O mesmo que acontecia no Rio acontecia em Salvador, com Vovô do Ilê Aiyê e Jorge Watusi. Paralelamente a isso, a Rádio AM 860 tocava black music. Quem era? Big Boy. Ele tocava eminentemente o rock! Botava lá um “James Brownzinho” no final do baile. Então ele não era o black da hora, só que tinha o material. Outra coisa. O primeiro baile não foi no Canecão. O primeiro baile foi na Zona Norte! O Big Boy só fazia no Canecão, porque a sua clientela era eminentemente branca. Só que houve a oportunidade de James Brown vir ao Brasil, ao vivo no Canecão. Foi aí que eles se projetaram.

Ìrohìn – Os bailes do Renascença eram conhecidos como “Noite do Shaft”. Por que a escolha desse nome?
Filó – Porque na época tinha um filme americano em que um ator negro interpretava, pela primeira vez, um detetive, figura central. A trilha musical era de Isaac Hayes, um dos nossos ícones. Aquela música foi fantástica. Aquilo ali mexeu. Pegávamos uma Kodak e fotografávamos. A garotada que ia ao baile anterior se via nas semanas seguintes. Eu cortava, fotografava e fazia o slide. Ali a gente tinha a foto do Januário ao lado do James Brown, do Isaac Hayes. Assim a gente associava a questão da auto-estima. E havia também as mensagens: “Eu estudo, e você?”, “Família negra”, “Seu brilho está em como você se vê”. O cara está dançando aqui e está se vendo lá. Era auto-estima pura. E tinha a hora da parada do baile, música lenta, e nessa hora você passava a mensagem, que era o nosso forte. Eu deixei de ser DJ para ser o MC. Todo mundo se vendo e olhando para o público. Nossa auto-estima era, até então, muito ruim, dentro de casa a gente se autodiscriminava. Se o cabelo estivesse passando um centímetro, já era macaco. Os moleques davam cascudo na gente. A gente tava cansado daquela onda. Aquilo era muito careta.
Medeiros – Os americanos estavam bombardeando com essas imagens de black.
Filó – Foi quando surgiram os blacks. E começamos a assumir dentro de casa. Cinco anos depois, meu pai já usava black, minha mãe deixou de alisar o cabelo. Mudou o contexto da família negra, o visual, e a auto-estima foi lá em cima! Os artistas mais sensíveis nós conseguimos atrair porque eles se reuniam no Teatro Tereza Raquel ou no Teatro Opinião às segundas-feiras. Participavam Milton Gonçalves, Zezé Motta, Haroldo Oliveira, Zózimo Bulbul. Uma porção de gente reunida e discutindo questão racial, mas sob observação da ditadura. Conseguimos atraí-los para o Renascença. A primeira festa do Shaft foi um grande sucesso. Em paralelo, tinham as reuniões – que eu posso falar melhor, porque eu participava – mas na festa todo mundo estava lá. Na criação do IPCN (Instituto de Pesquisa das Culturas Negras) a gente se reunia na Universidade Cândido Mendes.

Ìrohìn – Quando foi criado o IPCN?
Medeiros – Em 1974, conheci Filó. As coisas estavam efervescendo. Aconteceu a primeira reunião na Cândido Mendes relativa ao 13 de maio, no Centro de Estudos Afro-asiáticos em Ipanema, com José Maria e Luiz Pereira à frente do processo. Depois, foi criado a Simba (Sociedade Brasil-África) e, em 75, foi fundado o IPCN.

Ìrohìn – E quando você percebeu mais concretamente a presença da repressão?
Filó – A repressão começa lá atrás, a partir do momento em que recebo meu diploma em 74. Um ano antes eu já tinha sido ameaçado. ‘Corta esse cabelo, tira essa bata africana, esse chinelo que na verdade é um tamanco, tira essa mochila, se não você não vai passar’. Era meu professor de Cálculo, e eu era o único aluno não militar. Tony Tornado na época falou: ‘Revolucione, estou contigo! Tinha que botar aquela beca e o chapéu. Eu tinha um terno todo branco, ele me deu um chapéu amarelo deste tamanho. “Negrão, é contigo”! Na hora em que eu fui chamado pra pegar o diploma, tiro a beca, pego o diploma, boto o chapéu e levanto o punho erguido.

Foto: Januário GarciaÌrohìn – Havia repressão aos bailes?
Filó – Antes da repressão bombar, a Soul Grand Prix estava crescendo e lançou o primeiro LP, que ganhou disco de ouro. Era uma coletânea de música soul e vendemos mais de 106 mil cópias em poucas semanas. Chegamos à frente do Roberto Carlos. A capa tinha uma black em cima duma moto – um negócio revolucionário na época. O primeiro disco foi lançado em 74/75; o segundo, em 76; e o último, em 77/ 78. Os bailes estavam atingindo um milhão de jovens no Rio de Janeiro – até então ninguém estava sabendo. Até que começam a se preocupar. Quando a coisa começou a pegar fogo, passamos a ser o foco da repressão. Aqueles que não tinham estrutura não podiam fazer o baile por algum motivo. E nós, o que fizemos? Viramos empresa. Pagamos impostos, não podiam dizer não porque pagávamos impostos.
Medeiros – Em 1976, sai uma reportagem que acabou dando nome ao movimento que até então não tinha nome. Uma reportagem no Jornal do Brasil, Black Rio, de quatro páginas, mostrando aquele fenômeno que já estava rolando há anos na Zona Norte.
Filó – Passamos a escrever regularmente como JBlack a ponto do Zé Reinaldo, na época como diretor da Última Hora, me conceder um documento dizendo que eu poderia, por trabalhos prestados, ser um jornalista, que na época não existia.

Ìrohìn – Como você foi parar no DOPS?
Filó – Eu tinha uma sala na Central do Brasil, onde era o escritório da Soul Grand Prix. Bateu um cara, você via que o cara não era black, mas botou uma roupa de black. Os caras queriam introduzir a droga pra incriminar a gente. Aí não deu.. A TV Globo e outras emissoras começaram a desqualificar e ridicularizar todos os negros. Elis Regina resolve conversar conosco, porque gravou “Black is beautiful” do Marcos Valle. E alguns artistas começaram a cantar a questão da negritude nesse âmbito do soul, Tim Maia, Simonal. Nesse burburinho, os caras me chamam pra uma conversa e quando eu vi me botaram um capuz preto. Só lembro que me jogaram dentro do camburão e rodaram pela cidade. Eu fui parar dentro do DOPS. Eles tiraram o capuz, jogaram uma luz que não me permitia ver ninguém, e perguntavam: “Cadê o milhão de dólares que a CIA te deu? Quem é?”. Era uma das lendas urbanas daquela época. A estratégia era a violência verbal e emocional. Já tínhamos lançado o segundo disco na Warner, onde o Janu (Januário Garcia) entra para fazer a produção das várias capas. Tínhamos também o Volnei trabalhando. Todos profissionais, ganhando legal. E tinha Gil, Candeia, Zezé Mota, Belchior. A Soul Grand Prix contratando oficialmente. Tudo na legalidade. Só que a imprensa…
Medeiros – A revista “Veja” até dizia que a nossa forma de atuar era divertida. O jornal Movimento, que era jornal da resistência, fez uma reportagem de última página dizendo que, entre outras coisas, o soul era o pior tipo de música americana. Eles não sabiam nem o que era soul. Discoteca estava começando, eles não sabiam o que era discoteca e o que era soul e confundiam tudo.
Filó – Antes disso a gente só tinha uma opção, que era o rock brasileiro: The Pops, The Brazilian Beetles, tudo imitação dos Beatles. No livro “Anos 70. Dicionário da música brasileira”, de Nelson Motta e de Ana Maria Bahiana, o Black Rio faz parte da música popular brasileira. Nelson Motta sempre falou isso. Somos o divisor de água entre a música americana e a MPB. Fizemos uma experiência com uma música americana, adaptamos com elementos brasileiros e virou um sucesso nos bailes blacks. A partir dessa música foi criada a banda Black Rio
Medeiros – Filó foi produtor da primeira banda Black Rio e depois veio a Warner e colocou essa música “Locomotivas” na novela Locomotivas da rede Globo (1977).
Filó – E aquilo explodiu de tal forma que virou business. Deixou de ser uma questão de “divertimento de negro pobre”. E, naturalmente, a elite se posicionou. Era Nei Lopes, Filhos de Gandhy, Quilombo e Soul. Aquilo ali era uma coisa fantástica. Rompemos com a visão de que nós não podíamos, nós conseguimos muito. E convivendo com a TV Globo num contexto autoritário.

Ìrohìn – Afinal de contas, qual o problema em se tomar como referência a produção cultural de negros norte-americanos e, a partir dessas referências, negros brasileiros mobilizarem outros negros, fortalecerem a identidade de outros negros? Vamos fazer uma síntese, Medeiros? Que balanço seria possível fazer?
Medeiros – Recentemente, a pesquisadora Márcia Conti lançou um livro sobre os bailes blacks, com base num estudo de 1994. Ela ouviu lideranças negras e notou que os bailes tiveram importância na identidade. É a ênfase na identidade negra que faz com que as pessoas melhorem a sua auto-estima, essa é a grande força do Soul. O Soul é uma espécie de trilha sonora da luta negra americana dos anos 1960. Lembro-me das primeiras vezes em que fui ao baile do Filó, vi gente chorar. Chegar e chorar, porque você se deparava com milhares de cabeças com cabelos afros balançando. Esse choro diz muito do impacto que tudo isso teve naquela época sobre quem pôde de alguma forma participar do processo, ir aos bailes.

Foto: Januário GarciaÌrohìn – E você, Filó, não pretende registrar em livro toda essa experiência?
Filó – Não só a minha fala. O importante seria recuperarmos a fala de todos que viveram o período, cada um tem um olhar. Pra você ter uma idéia, o nosso DJ foi um branco. Por que ele era branco? Porque ele trazia as informações da zona Sul. O nome dele era Luiz Stelzer, conhecido como Luizinho do Jockey Soul. Tocava na zona Sul, tinha uma visão e gostava da música Black. Ele era dançarino, abria os bailes das boates top e gostava de ouvir James Brown. Aquele nicho musical a gente trazia pra zona Norte para as nossas festas, porque a maioria era comprada nas importadoras. Sinfonie, Modern Sound, que eram os locais onde você comprava os discos importados. Era caríssimo. A outra opção era alguém trazer os discos dos Estados Unidos, alguém como aeromoça, piloto. Era assim que era o processo. Foi um momento de desconstrução do pensamento social brasileiro, segundo o qual não há racismo no Brasil, porque o negro sabe o seu lugar. E foi nesse momento que o negro saiu do lugar dele. Desconstruiu.

Ìrohìn – Quais os filhotes do soul?
Filó – Conscientemente falando é o Movimento Hip-Hop. Você tem algumas células que são fundamentais, como a célula da Bahia, através do Blackitude, movimentos como a Casa do Hip-Hop em São Paulo, que criou um consciência e reconhece o soul como um pai. Aqui, o Atitude Consciente deu o primeiro passo para a implantação do Hip- Hop no Rio. Paralelo a isso, temos os filhos não conscientes, mas que são também uma realidade. E uma realidade é o funk. O que faltou ao funk? A liderança que o soul tinha. A comunicação que o soul tinha e que o funk não soube absorver. Não tem essa liderança e, infelizmente, foi para um outro lado.

*Edson Cardoso entrevistou (Rio 04.06.09) e Isabel Clavelin editou.

Drogas: o crack e os novos termos


Mostra as consequencias funestas advindas dessa doroga avassaladora.

Drogas: o crack e os novos termos
(*Archimedes Marques)

Antes de adentrarmos nos fatos e nas conseqüências do uso do crack peço permissão à língua portuguesa para usar duas palavras chave do tema, que na verdade são inexistentes no nosso dicionário, quais sejam: crackudo e vacilão.
Crackudo é originário do termo crack que é uma droga sintética. A palavra foi recentemente criada pelo povo brasileiro para identificar o indivíduo que é usuário e viciado dessa droga, ou seja, crackudo nada mais é do que o consumidor do crack, aquele cidadão que adquire o produto para uso próprio.
Quanto a vacilão, tal palavra é originada do verbo vacilar que significa, dentre outros: não estar firme, cambalear, enfraquecer, oscilar, tremer, hesitar, estar irresoluto, incerto… Vacilão na linguagem popular nada mais é do que o indivíduo que não mede as conseqüências dos seus atos e tampouco se importa com o que lhe aconteça.
A composição química do crack é simplesmente horripilante e estarrecedora. A partir da pasta base das folhas da coca acrescentam-se outros produtos altamente nocivos a qualquer ser vivo, tais como: ácido sulfúrico, querosene, gasolina ou solvente e a cal virgem, que ao serem processados e misturados se transformam numa pasta endurecida homogênea de cor branco caramelizada onde se concentra mais ou menos 50% de cocaína, ou seja, meio à meio cocaína com os outros produtos citados. A droga é fumada pura, misturada em cigarro comum ou em cigarro de maconha.
O crack trás a morte em vida do crackudo, arruína a vida dos seus familiares, aumenta a criminalidade onde se instala, degrada e mata mais do que todas as outras drogas juntas.
Lançando um olhar no passado o crackudo vê o rumo errado que tomou. Olhando ao futuro somente se lhe afigura a tumba. O seu presente é só o crack: o crack como o senhor do seu viver, como seu dominador, como seu real transformador do bem para o mal, como destruidor da sua família, como aniquilador da sua vida, como o seu curto caminho para a morte.
Estamos, sem sombras de dúvidas, em aguda e profunda crise social, familiar e criminal relacionada a essa droga avassaladora e mortal. A população mostra-se atônita, indefesa e impotente com tal problemática.
Até parece que apesar de todas as alertas feitas constantemente na mídia, as autoridades constituídas ainda não atentaram para esse gravíssimo problema que gera tantos outros em áreas diversas e que transforma tudo em malefícios.
O homem é o único animal racional existente na face da Terra, mas age, sem sombras de dúvidas de maneira irracional e gananciosa quando conscientemente fabrica o mal para o seu semelhante. Dentre todos os malefícios criados pelo homem para o homem, o crack está entre os primeiros colocados.
Basta o experimento de um único cigarro da pedra do crack para viciar o vacilão. A fumaça altamente tóxica da droga é rapidamente absorvida pela mucosa pulmonar excitando o sistema nervoso, causando euforia e aumento de energia ao usuário. Com a falta dessa sensação ao passar o efeito da droga, logo o vacilão é compelido ao segundo cigarro e assim por diante até levá-lo a conseqüências irremediáveis vez que ele é capaz de matar e morrer para sustentar o seu vício.
Com o passar do tempo o crack causa destruição de neurônios e provoca ao crackudo a degeneração dos músculos do seu corpo, fenômeno este conhecido na medicina como rabdomiólise, o que dá aquela aparência esquelética ao indivíduo, ou seja, ossos da face salientes, pernas e braços finos e costelas aparentes.
O crackudo pode ter convulsão e como conseqüência desse fato, pode levá-lo a uma parada respiratória, coma ou parada cardíaca. Além disso, para o debilitado e esquelético sobrevivente seu declínio físico é devastador, como infarto, dano cerebral, doença hepática e pulmonar, hipertensão, acidente vascular cerebral (AVC), câncer de garganta, além da perda dos seus dentes, pois o ácido sulfúrico que faz parte da composição química do crack assim trata de furar, corroer e destruir a sua dentição.
Conclui-se assim que do mal nasceu o crack, que do crack surgiu o vacilão, que do vacilão gerou o crackudo, que do crackudo restou a morte.

(*Delegado de Policia. Pós-Graduado em Gestão Estratégica de Segurança Publica pela UFS)
archimedes-marques@bol.com.br

Jovens de favelas têm postura mais conservadora em relação às drogas do que a classe média


Agência Brasil

Os jovens moradores de favelas têm uma visão mais conservadora e crítica em relação às drogas do que a classe média. A postura é fruto da convivência diária com o tráfico, como forma pragmática de garantir a própria sobrevivência. A análise é do coordenador do Programa de Jovens em Território Vulnerável (Protejo) no Complexo da Maré, Carlos Costa.

“Eles têm uma posição muito rígida em relação às drogas. A grande maioria não aceita a descriminalização do usuário e é mais favorável à punição, tanto para usuário quanto para traficante. Além disso, acham que a flexibilização de pena para o usuário faz ele ficar mais vulnerável, porque cria uma possibilidade maior de ser usado pelos traficantes para transportar drogas”, afirmou Costa.

Ligado à ONG Viva Rio, Costa morou durante 40 anos na favela da Rocinha e atualmente é responsável pelo Protejo-Maré, que atende 500 jovens. A iniciativa faz parte do Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci), do Ministério da Justiça, e oferece oficinas profissionalizantes e atividades educativas, esportivas e culturais para jovens em situação vulnerável.

Segundo ele, a repulsa que a maioria das famílias de comunidades tem em relação às drogas é muito mais uma questão de sobrevivência do que uma posição cultural ou religiosa.

“O conservadorismo é menos pautado pelo posicionamento político e muito mais pelo risco, pelo medo e pela vulnerabilidade que as próprias famílias dos usuários ficam, pela ação policial ou pela retaliação de outra facção criminosa. O envolvimento com drogas na favela é perigo de vida. É literalmente o caminho da morte”, sustentou.

Entre as drogas mais devastadoras, ele citou o crack, lembrando que ele é consumido tanto na periferia quanto na classe média, mas com uma diferença: “O garoto favelado conhece a pedra de crack antes de conhecer o primeiro professor. Isso não acontece no asfalto, onde o contato com as drogas é uma questão de opção, ao contrário da favela.”

Outra diferença apontada por ele é a falta de serviços de saúde voltados à recuperação dos viciados pobres, que não dispõem de meios particulares de tratamento, como a classe média. Também a abordagem policial é diferenciada, segundo classe social.

“O Estado é ausente nas favelas em relação à prevenção às drogas. Você não tem nenhuma ajuda terapêutica. Na classe média, existem alternativas e a droga é coibida de forma diferente. A gente sabe claramente que a maior boca de fumo no Rio de Janeiro é o Posto 9 [em Ipanema], mas a relação com os usuários é diferente dos usuários da Rocinha e da Maré”, comparou.

Como no futebol: professor agora ganha “bicho”




A gravidade do problema da educação primária e secundária do país não se mede pela insuficiência da rede escolar (que não consegue sequer matricular toda a população juvenil do país), nem pela precariedade dessa rede (tanto em decorrência da falta de preparação e de motivação dos docentes quanto da precariedade das instalações físicas) e nem mesmo da violência que campeia tão solta a ponto de freqüentar escola constituir risco de morte.

O quadro é muito mais grave, resultante do comportamento irresponsável dos governos petistas e tucanos, cujas políticas educacionais solapam os fundamentos da cultura, da ética e da própria dignidade de professores, funcionários e alunos.

Constrangidos pelo impacto da crise do capitalismo no Brasil, tais governos, incapazes de reagir a ela com dignidade, sabem que não estão autorizados a gastar dinheiro com a educação. Pelo contrário, sabem que terão de arrochar salários de professores e de funcionários, bem como reduzir investimentos em edifícios escolares e equipamento pedagógico. A saída para esconder a vergonha é a corrupção do caráter do professorado, do funcionalismo e dos alunos.

O método usado para isto é a concessão de bônus. Se a escola consegue um resultado positivo em relação a uma certa meta que o governo estabelece, os professores recebem um “bônus” em dinheiro – bônus este que pode ser efetivado pelo próprio governo ou por alguma empresa privada, como parte de sua política de limpar a imagem.

O mesmo acontece com o aluno pobre. Se obtiver nota superior a um certo número, sua mãe receberá um pequeno aumento na Bolsa Família.

Mas tem ainda mais: lei recentemente aprovada pela Assembléia Legislativa de São Paulo criou vários “incentivos” aos professores. Vejam estas duas “pérolas”: o professor que cumprir uma série de condições (por exemplo, não faltar, não pedir remoção etc.) pode ser selecionado para fazer uma prova de avaliação de sua competência docente. Tirando nota superior a 6 nessa prova, estará credenciado a receber um aumento que poderá representar até 20% do seu salário. Ou então essa outra: o professor substituto que for contratado para dar aulas em 2010 terá de purgar uma quarentena de 200 dias, para ser recontratado em 2.011. Tem algum cabimento nesse tipo de “incentivos”?

O incrível é a sociedade não perceber que esta política é obscena, corrompe totalmente o processo educacional da juventude – fundamento da reprodução física e ética de todo o corpo social.

A corrupção atinge todo o professorado na medida em que o bônus, a avaliação e outros “incentivos” da mesma espécie são esmolas destinadas a substituir o salário e a dividir a classe. É assim que o caráter desse professorado se corrompe, porque cada candidato a recebê-los sabe que está aceitando esse benefício espúrio unicamente porque não tem coragem de lutar pelo seu direito legítimo a uma remuneração digna da importância e da nobreza da função que cumpre na sociedade. A opção pela esmola infecta a sua consciência e torna o professorado, como um todo, um corpo amorfo incapaz de influenciar na sociedade.

A corrupção dos alunos começa aí. Como pode o aluno respeitar um professor que não respeita a si próprio? Acaso, não é o mestre, depois dos pais, a referência mais forte na formação ética do jovem? Quando o jovem se depara com um professor que aceita a humilhação sem luta, é este o paradigma que incorpora no universo da sua consciência. Pode-se imaginar a Pátria que surge daí.

Mas o problema é ainda mais grave: logo o jovem percebe que está integrado numa instituição farsesca. Sem uma referência institucional clara, ele tende a buscar no traficante que o ronda na saída das aulas uma escapatória para sua falta de orientação e de estímulo.

Este monstruoso crime está sendo cometido por pseudo-intelectuais que conseguem a proeza de aliar soberba e servilismo, sob as vistas de uma geração de brasileiros que desertou das suas obrigações.

Esta obscenidade precisa ser denunciada com toda força hoje, para que o povo brasileiro possa cobrá-la amanhã.

No Flamengo, Andrade se torna 1º técnico negro campeão brasileiro

da Folha Online

O técnico do Flamengo, Andrade, entrou para a história neste domingo ao se tornar o primeiro treinador negro campeão do Campeonato Brasileiro. O título foi conquistado após a equipe carioca derrotar o Grêmio por 2 a 1, neste domingo, no estádio do Maracanã, pela última rodada da competição.

Andrade já havia levantado o caneco como jogador atuando pelo Flamengo nos anos de 1980, 1982, 1983 e 1987 (Módulo Verde da Copa União), além do título de 1989, com o Vasco.

O treinador assumiu a equipe rubro-negra em julho, após a demissão do técnico Cuca. A princípio, foi colocado no cargo interinamente, enquanto os diretores da equipe carioca procuravam um técnico no mercado. Depois de vitórias diante do Santos, na Vila Belmiro, e do Atlético-MG, no Maracanã, o ex-jogador foi efetivado.

Anteriormente, Andrade foi chamado várias vezes para assumir a equipe principal interinamente. Desde 2004, o ex-volante assumiu por sete vezes o time carioca –cinco de forma interina.

Auxiliar técnico do clube, ele livrou a equipe da Série B com uma série de bons resultados nas rodadas finais no Brasileiro-2004. Mesmo assim, foi sub de nove técnicos até ser efetivado neste ano.

Em 2004, o ex-jogador Junior, então gerente de futebol, tentou efetivar Andrade. Ele conta ter ouvido, em meio aos comentários sobre a inexperiência do treinador, argumentos racistas contra a efetivação de Andrade.

“No momento de colocações de virtudes e defeitos, vieram comentários deste tipo. Além da inexperiência no cargo, diziam que era um negro sem boa dicção”, relembrou Junior.

Acostumado a servir ao Flamengo, o treinador não entra na polêmica. “Isso vem de pessoas ignorantes, que ainda têm um pensamento desse no século em que nós estamos. Não merece nem comentário”.

Para o pesquisador Luciano Cerqueira, coordenador da campanha “Mande um cartão vermelho para o racismo no futebol”, o título de Andrade vai chamar a atenção para a falta de técnicos negros no futebol.

“No futebol, reina o mesmo pensamento da sociedade em geral. O negro pode ocupar determinados espaços, mas não outros. Pode jogar, estar na comissão técnica, mas não ser o comandante, o cara que tem as ideias”, afirmou.

Movimento hip-hop busca rearticulação e trabalho social


Movimento hip-hop da Grande Curitiba coloca em pauta o trabalho com a juventude e a necessidade de articular os grupos com o trabalho social e militância

03/12/2009

Pedro Carrano,

de Piraquara (PR)

A imagem próxima da Serra do Mar. O centro de Piraquara, feito de casas de muros baixos, casarões antigos e abandonados, uma tranqüilidade que quase confunde e destoa da imagem da Região Metropolitana de Curitiba, geralmente marcada pela violência, pela exclusão extrema, apesar de resultado do planejamento urbano da capital. Os vagões da corporação América Latina Logística (ALL) cortam por ali, carregando mercadorias de transnacionais como a Bunge, para contornar várias regiões da periferia, oferecendo risco aos moradores e ações de despejo às margens dos trilhos.

A região de Piraquara não foge à regra. Também esconde bolsões e vilas, em contraste com a imagem de capital modelo para o resto do país. No domingo (dia 22 de novembro), cerca de 12 grupos do movimento hip-hop, dos quatro cantos de Curitiba, promoveram um evento cultural, dentro de uma modalidade do rap e do grafite que continua apostando nas letras de conteúdo político. E na inserção social.

hip hopQuem estava ali pode ser considerado sobrevivente, em vários sentidos. O encontro contou com a presença de uma geração com pelo menos 10 anos de estrada no hip-hop curitibano, quando o movimento despontou na cidade com um discurso forte sobre o “quinto elemento” do hip-hop, o trabalho social. Naquele momento, esta geração pautou a mídia corporativa, apresentando uma juventude excluída que os setores médios curitibanos julgavam inexistente. É o caso dos grupos Artivistas, Cre Rapper, Will Capa Preta, Aliados Linha de frente, todos se reencontrando.

“Eu também, de jovem, tinha esta sede de justiça”, exclama “Digão”, do grupo Aliados Linha de Frente – auxiliar de produção, desempregado e “empregado a partir do dia primeiro”, como diz. Ele lembra o início de todos eles: um espaço nos shows antes da entrada no palco dos Racionais. Uma geração inteira formada nas letras do grupo de São Paulo.

Hoje organizam-se nacionalmente no Movimento Hip Hop Organizado do Brasil (MH2O), ao lado de outros 14 estados. Os grupos participam também na construção da Assembleia Popular de Curitiba.

Neste meio tempo, este hip-hop, mais comprometido, passou por dificuldades. Houve um descenso. Cooptações e desistências. Alguns resistiram. Uma das barreiras? A violência, a bebida e o crack, que avança sobre esta juventude. No encontro, cerca de quarenta pessoas reunidas. Pouco ainda, mas o objetivo ali era o trabalho com a juventude. E isto quis dizer criar um espaço para as crianças da comunidade. “O público que queremos atender são os jovens, trabalhar na parte de prevenção e informação, para que futuramente sejam militantes das nossas causas. Tentamos passar uma linha de hip-hop mais social e política, em prol de uma causa. O hip-hop é uma cultura americanizada, mas que teve um contexto de protesto. Por isso trabalhamos com informação política e responsabilidade social e ambiental, para mudar algo neste país”, afirma “Julião”, do grupo Aliados Linha de Frente.

O jovem “Cré Raper” hoje trabalha com o estilo de rap gospel. Ele admira e conhece os experimentalismos da nova geração do rap (misturas com o samba, rock), e demarca posição na relação entre hip-hop e a luta social. “Estamos na cena desde 1997, muitas coisas mudaram, inclusive a questão da ação social dentro do hip-hop, alguns grupos se identificam mais, outros estão fazendo shows para fora do Estado. (…) A coisa se profissionalizou. Encontros como este de hoje são oportunidade de ver que o hip-hop tem a essência de Tiradentes, Malcom-X, Che Guevara, Jesus, esta é a essencia do hip-hop, dos verdadeiros revolucionários, revolução que não vai vir através de uma arma, mas do amor”, enumera.

Analfabetismo funcional atinge 28% da população brasileira

Cerca de 28% da população ainda podem ser classificados como analfabetos funcionais, enquanto somente 25% dominam plenamente o uso da língua. Essas são algumas informações apontas pelo Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) 2009, divulgado na quarta-feira (2). O índice é apurado desde 2001 pela organização não governamental (ONG) Ação Educativa e pelo Instituto Paulo Montenegro (IPM).

O Inaf mede os níveis de analfabetismo funcional na população brasileira entre 15 e 64 anos, dividindo em quatro níveis: analfabetismo, alfabetismo rudimentar, alfabetismo básico e alfabetismo pleno. São considerados analfabetos funcionais aqueles que se encaixam nas duas primeiras categorias.

Os dados apontam que houve uma melhora no índice de analfabetismo funcional. O Brasil tinha, em 2007, 34% de pessoas nessa condição, sendo que 9% eram considerados analfabetos e 25% tinham habilidades rudimentares de leitura e escrita. Em 2009, o percentual de analfabetos funcionais caiu para 28% – 21% possuem nível de alfabetização rudimentar e 7% são analfabetos.

Há diversos conceitos para classificar o analfabeto funcional. Para a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), é o indivíduo com menos de quatro anos de estudo completos.

O estudo do IPM mostra ainda que ir à escola não é garantia de aprendizagem: 10% dos brasileiros que estudaram até a 4ª série são analfabetos e apenas 6% atingem o nível pleno de alfabetização. Entre os que cursaram ou cursam da 5ª a 8ª série, 24% ainda permanecem no nível rudimentar e apenas 15% podem ser considerados plenamente alfabetizados.

Fonte: Agência Brasil

Cor da pele afeta distribuição de renda, diz Ipea


Agência Brasil


Estudo divulgado nesta quinta-feira pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revela que a desigualdade racial é responsável por cerca de um terço da diferença de renda domiciliar per capita entre brancos e negros no país.

De acordo com o documento, as regiões mais ricas do Brasil meridional apresentam maior porcentagem de pessoas brancas do que as do Brasil setentrional. “Do Oiapoque ao Chuí, a população embranquece e a renda aumenta”, informa o Ipea.

Segundo o estudo, de 2004 a 2008 a diferença entre as rendas médias dos negros e dos brancos brasileiros aumentou R$ 52,92, mas a renda média dos brancos aumentou 2,15 vezes no período, enquanto a dos negros teve aumento de apenas 1,99 vez.

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) de 2008 mostram que a desigualdade brasileira caiu 9,7% desde 2004. Cerca de 31,5% dessa queda pode ser atribuída à redução da desigualdade entre grupos raciais, que foi de 13%. A desigualdade entre regiões caiu 12,6%, sendo responsável por 22,4% do total.

O Ipea alerta que juntas, a desigualdade entre regiões e a desigualdade racial respondem por algo entre um quarto e um quinto da desigualdade de renda domiciliar per capita de todo o país. Em 2008, esses dois índices respondiam por 22,3%, sendo 5,7% de desigualdade racial dentro das regiões e 16,6% de desigualdade regional.